quinta-feira, 31 de julho de 2014

Quando a gestão da água vai entrar para o debate sobre o desenvolvimento do Brasil?


Trecho do rio Tapajós que será cortado pela barragem da hidrelétrica São Luiz, uma das 40 usinas previstas para a região (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)
Trecho do rio Tapajós que será cortado pela barragem da hidrelétrica São Luiz, uma das 40 usinas previstas para a região (Foto: Filipe Redondo/ÉPOCA)

Elemento vital para a sociedade e a economia, a água ainda não ocupa um lugar estratégico no debate sobre o desenvolvimento do país. Mesmo detendo cerca de 12% de toda água doce superficial do planeta, o Brasil vem falhando na gestão deste recurso natural tão precioso. A gestão das águas não é discutida em profundidade pela sociedade brasileira e tampouco pelos tomadores de decisão. No entanto, não há momento mais oportuno do que este para olharmos a gestão de recursos hídricos no território nacional sob uma nova perspectiva.

Enquanto os candidatos às eleições afinam seus programas de governo, a drástica seca que assola São Paulo nos afronta com a necessidade de incluirmos a gestão das águas definitivamente no debate nacional. É hora de trazer para a o centro das discussões questões que se relacionam entre si, mas cujas conexões quase nunca são feitas. É o caso do desmatamento e a escassez de água – ou ainda o baixíssimo índice de tratamento de esgotos nas capitais do Brasil e cidades do interior e suas vinculações com a saúde, o ambiente e o desenvolvimento.

>> A resposta da população à crise da água em São Paulo

Era de se imaginar que os exemplos recentes sobre a crise da água entrassem para o campo cognitivo da percepção política.  Mas temos dúvidas se isso está acontecendo. Barrar gigantescos rios amazônicos – como o Tapajós, por exemplo – para construir sequências de barragens é uma decisão política, no mínimo, temerária, considerando a grande possibilidade de haver um desequilíbrio tal naquele ecossistema que não tenhamos como remediar depois. Somam-se a isso, as mudanças no clima, cujos impactos sobre o regime de chuvas e hídrico da região ainda mal conseguimos prever. Portanto, muita calma.

É claro que o país teve significativos avanços na questão da água. É o caso da Política Nacional de Recursos Hídricos e do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, instituídos por lei em 1997. Porém, a gestão das águas no Brasil clama por novas e mais sofisticadas modalidades de governança.

E se governança pressupõe um bom aparato de Estado (regulamentações, políticas e mecanismos de gestão e de implementação), ela também inclui o amplo diálogo e a participação da sociedade. E temos aí os comitês de bacias instituídos em várias regiões do país com algumas experiências exitosas.

Os comitês, bem como o Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos, precisam ser fortalecidos, estruturados e ter recursos financeiros. É urgente elaborar e executar os planos de bacias como mecanismos importantes para garantir os usos múltiplos das águas, incluindo a manutenção dos ecossistemas aquáticos.

Governança, campanhas educativas, recuperação de áreas degradadas e da mata ciliar, proteção de nascentes, responsabilidade social empresarial são aspectos que têm de entrar de vez para o cerne das políticas públicas de gerenciamento dos recursos hídricos.

Acrescentaria ainda como prioridade nacional pensarmos em formas de adaptação às mudanças climáticas – que impactam fortemente as bacias hidrográficas – e uma política energética de horizontes mais abertos.  Hoje, a política está muito enviesada, focada fortemente na geração de energia hidrelétrica e suas arriscadas propostas de barramentos de importantes rios ou uma quantidade imensa de pequenas centrais hidrelétricas em apenas uma bacia.

Até que venham à luz as novas análises desse estudo, é oportuno lembrarmos ainda de como recentes políticas de governo repercutiram de modo ameaçador sobre já a frágil situação de nossos mananciais. Foi o caso da aprovação de um Código Florestal que pouco servirá, de fato, para proteger as florestas nativas remanescentes ou mesmo recuperar aquilo que se degradou, mesmo tendo em vista alguns instrumentos, como o Cadastro Ambiental Rural.

Com o atual Código Florestal passando feito trator sobre questões vitais para a segurança hídrica,  ficou evidente que a sociedade ainda não assimila as já citadas relações sistêmicas entre as florestas, matas ciliares e a oferta de água – inclusive para a agricultura.

Além disso, sob o ponto de vista do governo, olhar as bacias hidrográficas apenas como potenciais geradoras de energia elétrica e restringir o diálogo a um “seleto” grupo de técnicos e empresários é um equívoco com graves consequências para o restante da população. A sociedade, que inclui os ribeirinhos, os cientistas, a sociedade civil, os indígenas, os outros setores empresariais e os consumidores finais, deve fazer parte desse diálogo.  

E seria oportuno também aos gestores públicos estabelecer políticas de Estado para remunerar quem produz água boa ou ajuda a conservar as fontes nas quais beberão as futuras gerações. Além disso, os setores empresariais, sejam os da área urbana ou rural - especialmente aqueles que usam mais água precisam saber que está na hora de fazerem mais do que o dever de casa.

Se trabalharem apenas dentro de seus muros, estarão cometendo o mesmo equívoco que o setor público, que enxerga na água apenas o viés de produção de energia, esquecendo-se até mesmo o que move boa parte de seus processos produtivos.


A agenda das águas é extensa e por onde quer que se puxe o fio, vemos que há espaço para o aprimoramento nas formas de abordarmos o tema. Por sua condição estratégica do ponto de vista da economia e da sociedade, e vital para todos os seres vivos, a água deveria ser prioridade no debate sobre o futuro estratégico do país. Vejamos qual será o tratamento que se dará às águas nos debates eleitorais e nas plataformas de governo. Pelo sim, pelo não, será um indicador de como o Brasil quer para o futuro.

Fonte: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/noticia/2014/07/quando-bgestao-da-aguab-vai-entrar-para-o-debate-sobre-o-desenvolvimento-do-brasil.html


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