Do UOL, em São Paulo 04/11/2014
Vírus Marburg, documentado por Frederick A. Murphy, do CDC nos EUA, em 1968: mais letal do planeta.
Eles nem possuem células e são microscópicos, mas estão entre os seres mais temidos do mundo: os vírus. A característica que torna esses parasitas tão ameaçadores é sua capacidade de reprodução, que depende da invasão de uma célula viva.
"A maioria dos germes com os quais temos contato não causam doenças", lembra o infectologista Esper Kallas, membro do corpo clínico do Hospital Sírio-Libanês e professor associado da USP (Universidade de São Paulo). Dos milhares de vírus e bactérias identificados até hoje, são poucos os que levam seres humanos à morte. Apesar da fama que os patógenos carregam, Kallas explica que, do ponto de vista evolutivo, não é vantajoso para um parasita matar seu hospedeiro. Ocorre que, por razões que às vezes são mera coincidência, um vírus que convive muito bem com determinado animal passa a infectar humanos, que não estavam preparados para o ataque. É o que ocorreu com o ebola, provavelmente advindo de morcegos ou de algum parasita desses animais.
Distúrbio ecológico
Vale lembrar que certos micro-organismos só "convivem bem" com determinados animais porque, ao longo de milhares de anos, a seleção natural perpetuou as espécies mais resistentes.
Quando a ecologia de um micro-organismo sofre um distúrbio, porém, e os seres humanos entram em contato com o agente pela primeira vez sem que tenha havido um processo de adaptação, muita gente morre até que os mais resistentes comecem a prevalecer. É claro que o ser humano não pode esperar tanto, por isso tem lutado arduamente para combater, ou pelo menos controlar, esse patógenos inconvenientes. Os vírus considerados mais perigosos do mundo têm origem na África e fazem parte das chamadas doenças negligenciadas, como observa Kallas.
Os piores
Na lista dos vírus considerados mais mortais do mundo estão os da família Filoviridae, que provocam febres hemorrágicas graves. Dois gêneros de filovírus estão no noticiário atualmente: o ebola, que já causou pelo menos 5.000 mortes este ano, e o Marburg, considerado ainda pior. Batizado com o nome de uma pequena cidade alemã, local onde o vírus foi documentado pela primeira vez, o Marburg tem uma taxa de mortalidade de aproximadamente 90% (ou seja: a cada 100 infectados, 90 morrem). Assim como o ebola, sua origem é a região que compreende Uganda e Quênia. No último dia 5, o governo ugandense anunciou a morte do membro de uma equipe médica de um hospital em Kampala, que teve contato com uma pessoa contaminada com o Marburg. De tempos em tempos, esse vírus causa mortes na região, mas em proporções bem menores que a da atual epidemia de ebola, cuja mortalidade também pode chegar a 90%, dependendo do tipo de vírus e do local afetado.
Outro vírus que costuma gerar pânico e está na lista dos mais perigosos é o da gripe aviária, o H5N1. Com uma taxa de mortalidade de aproximadamente 70%, esse tipo de influenza raramente afeta humanos, tanto que os casos mais recentes foram na Ásia, onde muita gente vive em contato direto com aves de criação.
O infectologista Esper Kallas também recorda o pânico disseminado em 2002 e 2003 com o vírus da Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave), considerada preocupante porque a transmissão ocorre por gotículas de saliva lançadas no ar (no caso do ebola, é preciso haver contato com sangue, secreções ou tecido). A taxa de mortalidade era de 50%. Uma versão parecida de coronavírus surgiu em 2012 na Arábia Saudita, ganhando o nome de Mers (Síndrome Respiratória por Coronavírus do Oriente Médio).
Também no "ranking" estão os hantavírus (há diversos deles, todos pertencentes à família Bunyaviridae), que são transmitidos por roedores. A primeira descrição ocorreu na década de 1950, durante a Guerra da Coreia, tanto que a palavra deriva do nome de um rio, o Hantan.
Outros vírus menos conhecidos, mas igualmente ameaçadores, são o de Lassa, também transmitido por roedores, o Junin, associado à febre hemorrágica argentina, o Machupo, causador da febre hemorrágica boliviana, o vírus da CrimeiaCongo, transmitido por carrapatos assim como o vírus da floresta de Kyansur, identificado na Índia em 1955.
Embora a maioria dos vírus considerados mais assustadores sejam provenientes de animais, Kallas lembra que há um vírus essencialmente humano que continua fazendo vítimas todos os anos: o da dengue.
Resistência
Se a taxa de mortalidade é, para nós, o fator mais preocupante, há outras questões que devem ser levadas em conta quando se pensa no perigo representado por um vírus -- um deles é a resistência aos remédios desenvolvidos contra eles.
Esper Kallas cita o exemplo do HIV, que possui uma taxa de mutação muito elevada, o que facilita o processo de resistência. É por isso que é tão difícil criar um medicamento definitivo ou uma vacina contra a Aids, mas o antiviral usado contra o herpes há anos ainda controla facilmente a doença.
Também não é possível dizer que vírus são piores que bactérias. "Tudo depende do agente, das condições em que a doença surge e da disponibilidade de tratamento", comenta o infectologista, lembrando que a meningite bacteriana, no Brasil, chega a ter uma mortalidade de 70% em crianças.
Fonte: UOL Notícias - Ciência e Saúde
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