sábado, 4 de março de 2023

ENTENDA AS 5 (AGORA 6) EXTINÇÕES EM MASSA DO PLANETA TERRA

A gente ouve falar bastante sobre a catástrofe que acabou dizimando os dinossauros. Essa é a extinção em massa mais conhecida, mas outras quatro aconteceram no planeta antes dessa. E, ao que tudo indica, o desaparecimento dos dinossauros não foi o último fenômeno desse tipo: uma extinção em massa estaria acontecendo agora, no período em que vivemos.

A extinção de espécies não é nada extraordinário por si só: cerca de 98% dos seres vivos que já habitaram o planeta, em seus 4,5 bilhões de anos, não existem mais. Contudo, isso costuma acontecer a uma taxa de 0,1 a 1 por 10 mil espécies, a cada 100 anos. Ou seja, bem lentamente.

Durante esses fenômenos, as espécies foram extintas a uma velocidade muito maior, sem que outras pudessem surgir para substituí-las. Segundo o Museu de História Natural do Reino Unido, uma extinção em massa acontece quando "cerca de 75% das espécies do mundo são perdidas em um 'curto' período de tempo geológico". Curto, nesse caso, é algo bem relativo: menos de 2,8 milhões de anos.

De qualquer maneira, são eventos muito extensos, de escala global, que impactam a grande maioria dos seres vivos que habitam o planeta. A seguir, explicamos quais são as seis extinções em massa que aconteceram na Terra.

1. Extinção do Ordoviciano

Quando aconteceu: cerca de 440 milhões de anos atrás

Representação da fauna ordoviciana. (Fonte: Wikimedia Commons)


A primeira extinção em massa do nosso planeta aconteceu entre o fim do período Ordoviciano e o início do Siluriano. Essa foi uma era geológica em que os animais marinhos se desenvolveram e diversos tipos de plantas terrestres surgiram.

Acredita-se que uma era glacial no supercontinente de Gondwana tenha posto fim a 85% das espécies. Conforme as placas se movimentavam para o sul, a temperatura caía e glaciares se formavam, o nível dos mares também foi reduzido. Assim, muitas espécies ficaram sem o seu habitat — especialmente os pequenos invertebrados marinhos.

2. Extinção do Devoniano

Quando aconteceu: entre 370 e 360 milhões de anos atrás
Desenho com peixes do período devoniano. (Fonte: Wikimedia Commons)

70 milhões de anos depois da primeira extinção em massa, o planeta era habitado por peixes primitivos, insetos, plantas mais altas e as primeiras espécies de animais terrestres vertebrados com quatro patas. Até que 70% a 80% dos seres vivos sumiram.

Ainda não foi possível traçar uma linha do tempo com exatidão. Mas acredita-se que a extinção em massa tenha acontecido em, pelo menos, dois eventos separados, com poucos milhões de anos de diferença. 

Alterações diversas e intercaladas no ambiente — aumento e diminuição de temperaturas e do nível do mar —, além dos baixos índices de oxigênio na atmosfera, podem ser os responsáveis pela catástrofe. Atividade vulcânica, impactos e até uma supernova também são especulados como motivos. 

3. Extinção do Permiano-Triássico

Quando aconteceu: 250 milhões de anos
Muitas espécies de vertebrados pereceram na extinção do Permiano. (Fonte: Wikimedia Commons)


Esse evento é conhecido como "A Grande Morte", pois atingiu a maior parcela da vida na Terra: 95% das espécies que existiam nessa época teriam sumido do planeta. A extinção em massa é, também, a fronteira entre os períodos Permiano e Triássico. 

Os altos níveis de dióxido de carbono na atmosfera — decorrentes de erupções vulcânicas — seriam os principais responsáveis por esse fenômeno. Além disso, o impacto de um asteroide teria deixado o ar cheio de poeira, bloqueando a luz solar e causando chuvas ácidas.

4. Extinção do Triássico-Jurássico

Quando aconteceu: 200 milhões de anos atrás
O Redondasaurus foi uma das espécies extintas há 200 milhões de anos. (Fonte: Wikimedia Commons)

O quarto processo de extinção em massa do planeta Terra aconteceu na passagem da Era Triássica para a Jurássica. A principal causa seria a separação do supercontinente da Pangeia, que desencadeou a erupção de vulcões, liberando muito dióxido de carbono na atmosfera e deixando os oceanos mais ácidos. 

Estima-se que três quartos das espécies foram extintas durante esse processo. Mas aquelas que conseguiram sobreviver se desenvolveram muito bem no Jurássico — é o caso de várias espécies de dinossauros, plantas gimnospermas e dos primeiros mamíferos.

5. Extinção do Cretáceo

Quando aconteceu: 65 milhões de anos atrás
Os dinossauros foram extintos há 65 milhões de anos. (Fonte: Wikimedia Commons)

Enfim chegamos à extinção em massa mais conhecida, que dizimou os dinossauros. Estima-se que 80% das espécies tenham perecido — entre os "dinos", só sobraram os que deram origem às aves. Todos os animais maiores, que precisavam de mais recursos para sobreviver, sumiram — e isso abriu espaço para o desenvolvimento de aves e mamíferos menores.

O impacto de um asteroide é a principal causa dessa extinção em massa: provavelmente, ele caiu na Península de Yucatán, atual México. Mas ele não foi o responsável direto e único pelo fim de todas as espécies. Na realidade, ele desencadeou diversas mudanças no ambiente que, ao longo de um milhão de anos, acabou com os dinossauros. 

6. Extinção do Holoceno ou Antropoceno

Acontecendo agora
A poluição e o uso indiscriminado de recursos naturais estão causando a sexta extinção em massa. (Fonte: Pixabay)

Muitos cientistas argumentam que a Terra está passando por um sexto processo de extinção em massa — agora, causado pelos humanos, a espécie que mais alterou o planeta.

O Homo sapiens transformou 70% da superfície terrestre e usa três quartos de toda a água doce, destruindo o habitat de diversas espécies. Além disso, o uso de combustíveis fósseis aumenta a temperatura da atmosfera, estimulando catástrofes naturais.

De fato, muitos seres vivos estão desaparecendo — a uma taxa bem maior que aquela de 0,1 a 1 espécie por 10 mil a cada século. Porém, classificar esse fenômeno como extinção em massa ainda não é um consenso porque não é possível compará-lo com outros períodos. Afinal, o que vemos é um período muito curto: nossa espécie existe há cerca de 2 milhões de anos.

Para terminar, é interessante observar que a extinção do Antropoceno pode ser a sétima — e não a sexta —, pois um processo ocorrido há 550 milhões de anos está sendo pesquisado por cientistas dos Estados Unidos. O 

Os cientistas "descobrem" esses eventos estudando fósseis e fazendo suas datações: se uma espécie deixa de existir em determinado período, significa que ela foi extinta naquela época — e se muitas espécies deixam de existir na mesma época, temos uma extinção em massa.

Fonte: Megacurioso.com.br











domingo, 13 de novembro de 2022

COP 27: cerrado desmatado pode reduzir águas nos rios em 1/3 e afetar geração de energia, indica estudo

Leandro Machado 

Da BBC News Brasil em São Paulo 

10 novembro 2022

ANDRE DIB/ISPN
Rios do Cerrado perderam 15,4% de sua vazão de água entre 1985 e 2018, aponta estudo

Os rios do Cerrado, responsáveis por boa parte do abastecimento hídrico e da geração de energia elétrica do Brasil, perderam 15,4% de sua vazão de água por causa do desmatamento e das mudanças climáticas entre 1985 e 2022.

E a perspectiva de futuro não é nada animadora: um terço do volume de águas (34%) tende a ser perdido até 2050 caso a destruição do bioma continue no ritmo atual.

Essas são algumas das conclusões de um estudo inédito sobre a redução das vazões dos rios do Cerrado, realizado pelo geógrafo Yuri Salmona, doutor em ciências florestais pela Universidade de Brasília (UnB).

Oito das 12 principais bacias hidrográficas brasileiras — como as dos rios São Francisco e Paraná — nascem no território do Cerrado, conhecido como "berço das águas" e segundo maior bioma do país, só atrás da Amazônia.

A pesquisa, que foi apoiada pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), analisou o comportamento de 81 bacias hidrográficas. No total, 88% delas já apresentam diminuição da vazão de água causada por alterações do uso do solo e, em menor escala, pelas mudanças climáticas.

O geógrafo mediu a recente perda e a tendência para o futuro por meio de modelos matemáticos, compilando dados históricos sobre vazão de água, alterações no uso do solo, chuvas e evapotranspiração (ciclo de retorno da água à atmosfera).

Segundo ele, 56,7% da queda da vazão se deve a mudanças do uso do solo no entorno dos rios, especialmente para expansão do agronegócio — outros 43,3% foram causados pelas mudanças climáticas no planeta.

Em grande parte, a vegetação do Cerrado vem sendo destruída para implantação de pastos ou de grandes áreas de cultivo de commodities, como a soja. Estima-se que 47% da área original do bioma já foi totalmente desmatada.

"De 1985 para cá, nós perdemos 19,7 mil metros cúbicos de água por segundo nas bacias analisadas, o equivalente à vazão do rio Paraná. É como se tivéssemos jogado fora o rio Paraná inteiro nesse período", explica Salmona.

Para projetar a queda da vazão nos próximos 28 anos, o pesquisador considerou os índices de desmatamento atuais e a tendência para o futuro.

Ele levou em conta uma possível queda dessa taxa — hoje entre 5 mil e 8 mil km² por ano — porque se o desmatamento continuar no ritmo atual, logo não haverá mais Cerrado para desmatar. "É como um homem calvo: ele já perdeu todos os fios de cabelo com potencial para cair. Os restante não vai cair porque é o resto mesmo", explica.

Segundo Salmona, perder um terço dessas bacias significa diminuir a oferta de água que vai chegar nas torneiras da população, pois os rios que nascem no Cerrado abastecem dezenas de milhões de pessoas no país.

Outra consequência é a geração de energia elétrica.

"Menos água significa que vamos gerar menos energia elétrica nas usinas. Conservar o Cerrado é uma questão estratégica e de soberania nacional", diz o geógrafo, cujo estudo foi apresentado no programa de doutorado da UnB, na semana passada.

Das bacias analisadas, Salmona destaca três rios cujo volume de água está caindo com o avanço do agronegócio em seu entorno: o rio da Corda, no Maranhão, e os rios Arrojado e Ondas, ambos na Bahia.

No primeiro, o volume diminuiu 25% de 1985 a 2022 — ou seja 391,5 metros cúbicos por segundo.

De acordo com o geógrafo, 74% desse valor teve como causa a substituição da vegetação original do entorno para dar lugar a pastagens, produção de commodities e áreas urbanas. Para os próximos 28 anos, as projeções indicam uma perda 56% do tamanho atual do rio da Corda.

No oeste baiano, a situação é parecida.

Os rios de Ondas e Arrojado registraram diminuição do volume de água em 25% e 18,2%, respectivamente. E a tendência é que o primeiro vá perder 56% da água até 2050; e o segundo, 36,2%.

"As comunidades que vivem nessas áreas já estão sentindo os efeitos em seu modo de vida com a diminuição da água, algumas só conseguem ficar em períodos de cheia. Já existe o que chamamos de 'guerra da água', com grupos econômicos controlando o acesso à água enquanto a população sofre com a escassez", explica Salmosa.

Em entrevista recente à BBC News Brasil, o biólogo Reuber Brandão, professor de manejo de fauna e de áreas silvestres da UnB, afirmou que nascentes de alguns rios no oeste da Bahia, como o Formoso e o Arrojado, recuaram vários quilômetros em virtude do avanço do agronegócio.

"Conheço veredas cujas nascentes recuaram mais de 10 quilômetros em relação à original. Essas áreas, que tinham a presença de corpos aquáticos na paisagem, passaram a ser muito mais secas", disse.

"Isso tem um impacto muito grande sobre fauna e flora, porque as plantas que precisam ter contato com a água do solo sofrem um estresse hídrico e começam a morrer. Já a fauna foge para procurar água", completou.

Irrigação de soja
Além do desmatamento, boa parte da água do Cerrado é utilizada para irrigação de produtos agrícolas, principalmente a soja. Essa água é retirada do solo com autorização do Estado, por meio de outorgas previstas na lei.

Ela é utilizada nos chamados pivôs centrais, círculos de irrigação com uma lança de 150 metros.

EMBRAPA
Pivô central utilizado para irrigar lavoura

Uma reportagem da Agência Pública de 2021 apontou que, apenas no oeste baiano, o agronegócio capta 1,8 bilhão de litros de água por dia de maneira gratuita para irrigação, com autorização do governo do Estado.

Esse volume seria o suficiente para abastecer cerca de 11,8 milhões de brasileiros. Parte dessa água é retirada por meio de barramentos em riachos e veredas, além da captação direta de rios e de poços.

"O agronegócio está inviabilizando seu próprio modelo ao desmatar e utilizar a água dessa maneira sem controle externo, porque ele depende da água para funcionar. Não estamos apenas exportando soja, mas exportando água. E se a água acabar, o que vai acontecer? É a cobra comendo o próprio rabo", diz Salmona.

Biodiversidade do Cerrado
O Cerrado é a savana com maior biodiversidade no planeta, com cerca de 14 mil espécies de plantas, além de uma rica fauna.

Segundo o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o bioma perdeu 4.091,6 km² para o desmatamento entre janeiro e julho deste ano, alta de 28,2% em relação ao mesmo período do ano passado.

Os dados mostram que os Estados que mais desmataram estão na região conhecida como Matopiba — principal fronteira de expansão agrícola no país: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

De acordo com o MapBiomas, plataforma que monitora o uso do solo no Brasil, 45,4% do Cerrado já foi destruído para dar lugar à agropecuária.

Alguns estudiosos do bioma, como Yuri Salmona e Reuber Brandão, defendem que a economia brasileira teria mais benefícios se investisse em ciência e tecnologia desenvolvidas a partir da abundante biodiversidade do Cerrado do que com o atual modelo centrado em monoculturas e produção de commodities para exportação.

"Hoje o Brasil está destruindo o potencial econômico de 14 mil espécies, que poderiam movimentar a indústria de cosméticos, por exemplo, para focar na produção de três espécies: soja, capim e eucalipto", diz Salmona.

Já Brandão acredita que produtos de vários setores poderiam ser desenvolvidos.

"O Cerrado tem um potencial de biodiversidade gigantesco. Seja para bioprodutos tecnológicos, como colas, ou para alimentícios, cosméticos e medicamentos, como analgésicos. Há proteínas do veneno da jararaca, por exemplo, com valor econômico enorme. Ou a grande quantidade de palmeiras e castanhas que nunca foram estudadas", explicou.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63562381


sexta-feira, 4 de março de 2022

Guerra biológica

 


Guerra biológica: O mundo vive mais uma guerra que pode nos levar a consequências imprevisíveis. E no curso da história, diversas vezes adversários recorreram a táticas “sujas”, com o uso de armas biológicas. Embora não se espere que elas sejam novamente usadas, vale lembrar ocasiões em que o mundo viveu a guerra biológica e seus efeitos nefastos.

Guerra biológica, quando microorganismos viram armas.

Quando Gengis Khan, fundador do Império Mongol e brilhante estrategista, catapultava corpos em estado avançado de decomposição contaminados com a peste negra, no ano de 1347, ele estava sendo um dos pioneiros da guerra biológica.

Esta prática consiste no uso de agentes infecciosos (microorganismos patogênicos) ou toxinas biológicas para causar mortes.

Khan estava atacando os muros do porto de Caffa, no Mar Negro, hoje Teodósia, Ucrânia. Os registros históricos apontam que a iniciativa surtiu efeito — muitos óbitos se sucederam pela doença — e alguns historiadores acreditam que a peste teria rumado para a Europa com os sobreviventes de Caffa, tomando milhões de vidas humanas.

Desde então, a guerra biológica foi usada certas vezes em que a diplomacia e as armas tradicionais foram consideradas insuficientes. Em 1710, por exemplo, o exército russo lutando contra as forças suecas no território que hoje é Tallinn, na Estônia, também arremessou cadáveres com a peste sobre os muros da cidade.

Em 1763, tropas britânicas sitiadas no que hoje é Pitsburgo, durante a Rebelião de Pontiac, passaram cobertores infectados com o vírus da varíola para os indígenas, causando uma epidemia devastadora entre suas fileiras.

Armas biológicas nas grandes guerras

Na Primeira Guerra Mundial a Alemanha iniciou um programa secreto para infectar cavalos e gado dos exércitos aliados, mas felizmente esta tentativa não teve sucesso.

Os horrores da Grande Guerra fizeram com que a maioria dos países assinasse o Protocolo de Genebra de 1925, proibindo o uso de armas biológicas e químicas. No entanto, o Japão, uma das partes signatárias do protocolo, engajou-se em um programa secreto de guerra biológica, violando o tratado quando usou armas biológicas contra as forças aliadas na China, antes e durante a Segunda Guerra Mundial.

Os japoneses faziam experimentos em prisioneiros. Eles expuseram mais de 3.000 vítimas à peste, antraz, sífilis e outros agentes na tentativa de estudar o potencial da doença. Na verdade, muitos soldados japoneses morreram vitimas do seu próprio ataque de armas biológicas durante a Campanha de Zhejiang-Jiangxi em 1942. Estava evidente a dificuldade de se garantir biossegurança na guerra biológica.

Guerra Fria

Na Guerra Fria, os EUA e a ex-URSS desenvolvem pesquisas com armas biológicas. Em 1969, o presidente Nixon, dos Estados Unidos, encerrou o programa de armas biológicas americano. Desde então, as leis norte-americanas proíbem o uso de armas biológicas. A criação e o armazenamento de armas biológicas foi banida pela Convenção sobre A. B. (BWC) de 1972. O acordo foi assinado cerca de 150 países, incluindo o Brasil.




Apesar de ter assinado a BWC, a antiga União Soviética continuou expandindo seu programa, atraindo atenções internacionais depois que o vazamento de antraz de Sverdlovsk em 1979 matou de 65 a 100 pessoas.

Felizmente, o entendimento de que as armas biológicas não são seguras para nenhuma das partes tem afastado a ideia de investimentos na guerra biológica. Entretanto, nada garante que políticos irresponsáveis possam achar conveniente usar vírus e bactérias como armas.

Fonte: biologo.com.br

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Pesquisa da USP mostra erros de higiene na cozinha que colocam a saúde em risco

Realizado pelo Centro de Pesquisas em Alimentos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, o estudo analisou as medidas de higiene, manipulação e armazenamento de alimentos junto a 5 mil pessoas de todos os Estados brasileiros


De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), todos os anos cerca de 600 milhões de indivíduos no mundo adoecem e 420 mil morrem em decorrência de doenças transmitidas por alimentos (DTA). No Brasil, entre 2000 e 2018, foram registrados oficialmente 247.570 casos de DTA com 195 mortes, segundo dados do Ministério da Saúde. E qual foi a origem principal da contaminação apontada pelo estudo? A cozinha da própria casa. 

Diante desses dados, os pesquisadores do Centro de Pesquisas em Alimentos, também chamado Food Research Center (FoRC), da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, realizaram um estudo para analisar os hábitos de higiene e práticas relativas à higienização, manipulação e armazenamento dos alimentos nas residências dos brasileiros. Os resultados mostram que uma parcela expressiva da população adota medidas inadequadas. Portanto, está mais exposta às DTA. Feita com 5 mil pessoas de todos os Estados brasileiros (a maioria mulheres entre 25 e 35 anos e com renda entre 4 e 10 salários mínimos), a pesquisa também verificou as temperaturas das geladeiras de 216 residências no Estado de São Paulo. 

Cerca de 46,3% dos participantes disseram ter o hábito de lavar carnes na pia da cozinha, 24,1% costumam consumir carnes malcozidas e 17,4% consomem ovos crus ou malcozidos em maioneses caseiras e outros pratos. “Lavar carnes, especialmente a de frango, na pia da cozinha pode espalhar potenciais patógenos no ambiente, representando uma prática de risco”, explica o coordenador da pesquisa, Uelinton Manoel Pinto, professor da FCF e integrante do FoRC.  

Segundo ele, o consumo de alimentos de origem animal malcozidos ou crus também apresenta risco microbiológico, já que o recomendado é cozinhar o alimento a uma temperatura mínima de 74°C para garantir a inativação de patógenos que podem estar presentes no produto cru. “Lembrando que nem todo produto cru de origem animal contém micro-organismos patogênicos, mas existe esse risco e o cozimento adequado garante que esses micro-organismos sejam eliminados ou reduzidos a níveis seguros.” 

Com respeito às práticas de higienização de verduras, 31,3% costumam fazer a higienização apenas com água corrente e 18,8%, com água corrente e vinagre. Para higienização de frutas, 35,7% utilizam apenas água corrente e 22,7%, água corrente e detergente. “Para a higienização segura de verduras, legumes e frutas que serão consumidos crus a recomendação é lavar com água corrente e utilizar uma solução clorada com um tempo de contato mínimo de 10 minutos, seguido de novo enxágue em água corrente”, acrescenta. O porcentual de pessoas que usam água com solução clorada, no estudo, foi de 37,7% (para verduras) e 28,5% (para frutas). Vale ressaltar que vegetais que serão cozidos ou frutas que serão consumidas sem a casca não precisam passar pela desinfecção em solução clorada. 


Aprendendo a armazenar os alimentos
Os resultados da pesquisa da FoRC mostram que parcela significativa dos entrevistados realiza práticas de higiene, manuseio e armazenamento de alimentos inadequadas.

Para corrigir estes erros, os pesquisadores elaboraram um material educativo para orientar sobre a forma correta de armazenar os alimentos na geladeira.





Cuidados na refrigeração
Ao fazer compras em supermercados, a maioria dos participantes (81%) não utiliza sacolas térmicas para transportar alimentos refrigerados ou congelados até suas residências. “Em um país como o Brasil, onde as temperaturas chegam facilmente a 30°C em várias cidades durante o ano todo, é fundamental que os produtos perecíveis sejam transportados em condições adequadas, dentro de uma sacola térmica”, destaca Jessica Finger, nutricionista e pesquisadora que conduziu a pesquisa, que teve ainda o envolvimento de um aluno de iniciação científica, Guilherme Silva, graduando de Nutrição da USP.  

Com relação às sobras de alimentos, 11,2% dos participantes relataram armazená-las na geladeira passadas mais de duas horas do preparo, o que representa risco à segurança dos alimentos. “Não é recomendado deixar alimentos prontos por mais de duas horas sem refrigeração, visto que a temperatura ambiente favorece o crescimento microbiano nesses alimentos. Essa é uma das principais práticas responsáveis por surtos de doenças de origem alimentar,” acrescentam os pesquisadores. 

Evidenciou-se também que era comum entre os participantes descongelar os alimentos em temperatura ambiente (39,5%) ou dentro de um recipiente com água (16,9%), o que também não é adequado, visto que os alimentos devem ser mantidos a uma temperatura segura durante o descongelamento, podendo ser realizado na geladeira ou no micro-ondas. 

Armazenamento de carnes
Sobre o armazenamento de carnes na geladeira, a maioria dos participantes (57,2%) relatou armazenar as carnes na própria embalagem que contém o produto. Esta prática é questionável, uma vez que é preciso utilizar um recipiente adequado para evitar o gotejamento do suco da carne e a contaminação de outros alimentos estocados no refrigerador.  

A boa notícia é que em relação à temperatura dos refrigeradores, dos 1.944 registros coletados, 91% ficaram entre a faixa de temperatura recomendada, de 0 a 10°C. Este dado é importante, pois pode ser utilizado em estudos de modelagem para prever a multiplicação de micro-organismos nos alimentos refrigerados. 

Fonte: Jornal da USP - 12/12/2021



sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Uso de máscara não afeta a respiração nem resposta cardiovascular durante exercício físico

Embora possa causar algum desconforto, o uso de máscaras de tecido não interfere significativamente nos padrões de respiração e fisiologia cardiovascular durante a prática de exercício físico em intensidades moderadas a vigorosas. Foi o que mostrou estudo com homens e mulheres não envolvidos em esporte competitivo.


Resultado de estudo realizado por pesquisadores da USP pode servir de base para novas recomendações para a promoção da saúde e bem-estar durante a pandemia de COVID-19 (foto/crédito: Natália Mendes Guardieiro)

“ O estudo mostra que os mitos de que o uso de máscara durante o exercício físico seria prejudicial, afetando, por exemplo, a saturação de oxigênio do sujeito, não se sustentam. O uso da proteção não alterou significativamente o funcionamento corporal durante a prática de exercício moderado a pesado”, afirma Bruno Gualano , professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e autor do artigo.

O estudo, apoiado pela FAPESP, foi divulgado na plataforma medRxiv , em formato pré-print, sem a revisão dos pares.

No estudo, realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP, 17 homens e 18 mulheres saudáveis realizaram testes ergoespirométricos em esteira – que avaliam as respostas cardiopulmonares por meio da troca de gases expirados e inspirados durante o exercício físico – em diferentes intensidades de esforço. Os participantes do estudo correram com máscara de tecido de três camadas e sem ela, numa outra sessão, para que a comparação fosse feita. Foram avaliadas diferentes intensidades de exercícios.

Os testes permitiram analisar uma infinidade de variáveis fisiológicas, como o consumo de oxigênio e a capacidade respiratória. “Também avaliamos medidas de funcionamento cardiovascular, a saturação de oxigênio e a acidose no sangue. A conclusão foi que as perturbações provocadas pela máscara foram muito pequenas, especialmente nas intensidades abaixo do esforço máximo, que são capazes de trazer enormes benefícios à saúde”, afirma Gualano.

Respostas fisiológicas compensatórias

Já nas altas intensidades – quando o sujeito faz o máximo esforço possível antes de entrar em cansaço extremo e parar o exercício – foi possível perceber pequenas alterações respiratórias. “Mas o organismo consegue lidar bem com isso, por meio de respostas fisiológicas compensatórias. A saturação de oxigênio, a frequência cardíaca, a percepção do esforço, os níveis de lactato (medida indicativa do equilíbrio ácido-base no organismo), a pressão arterial, tudo isso está dentro do esperado, mesmo com uso da máscara e em intensidades criticas”, afirma.

O pesquisador ressalta que os resultados do estudo permitem formular novas recomendações para a prática de exercício físico durante a pandemia.

“As máscaras não podem ser usadas como muleta para que as pessoas não pratiquem exercício físico. A pandemia é longa, e as máscaras junto com a vacinação são medidas necessárias para que o vírus não se dissemine; ao mesmo tempo, é importante que as pessoas continuem se exercitando. Vimos que, entre as intensidades moderadas e pesadas, que sabidamente fazem bem para a saúde, não há alteração marcante de fatores fisiológicos. Portanto, é preciso continuar usando a máscara em ambientes fechados. O uso de máscara e a prática de atividade física não são excludentes”, diz.

“Já para quem quiser fazer exercícios em intensidades exaustivas, pode realizá-los ao ar livre, sem aglomeração e em locais onde seja possível retirar a máscara por um período para que não ocorra perda de desempenho. É bom lembrar que, mesmo em altíssima intensidade, os efeitos da máscara foram mínimos”, completa.

Outro ponto interessante do estudo foi que, no geral, os resultados foram similares tanto para os homens quanto para mulheres. “A fisiologia do exercício de homens e mulheres é muito diferente, o que nos levou a pensar que pudesse haver um efeito diferente da máscara, mas isso não aconteceu”, diz.


Jogos Olímpicos com máscara

O mesmo grupo de pesquisadores realizou, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), outro estudo com atletas de alto nível. “Nesse outro estudo também observamos que as máscaras não prejudicavam o rendimento. Era apenas a percepção de esforço que aumentava: os atletas reclamavam do incômodo provocado pela máscara, mas o desempenho não se alterava”, conta.

Gualano relata que os resultados do estudo foram publicados antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio. “Tendo em vista todos os prejuízos esportivos, econômicos e organizacionais que decorrem da infecção de um atleta competitivo, sugerimos na época que seria interessante pensar no uso de máscara durante o treino, uma vez que o desempenho é pouco afetado; pode ser um trade-off interessante”, diz.

O pesquisador explica que, de maneira geral, atletas de alto rendimento não costumam apresentar quadros graves de COVID-19. “Mas o risco não é zero. Além disso, há o prejuízo do esporte, pois tem que isolar, testar contactantes e recuperar o atleta, o que é uma perda imensa para o competidor e para a equipe. Nos Jogos Olímpicos, vimos casos de atletas que perderam a competição por terem se infectados. Com a nova onda na Europa e nos Estados Unidos, os casos no esporte têm crescido substancialmente, e diversas ligas correm o risco de serem paralisadas”, diz.

A equipe de pesquisadores estuda agora o uso de máscara durante o exercício físico com grupos clínicos e crianças. “Estamos testando os efeitos do uso de máscaras em crianças saudáveis e com obesidade durante o esforço em diferentes intensidades, para entender se as máscaras são seguras em outros grupos mais vulneráveis também”, afirma.


Fonte: Agência FAPESP

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Os colaboradores do Holocausto: a indústria da morte

 



A construção do Holocausto contou com o apoio de parte do empresariado e da comunidade científica alemã e até mesmo de grupos de fora da Alemanha. Por exemplo, a IBM ajudou os nazistas a catalogarem suas vítimas, a Bayer, Basf e Hoescht tinham na Alemanha a empresa “IG Farben” que fornecia o gás “Zyclon B” usadas nas câmaras de gás e auxiliava as experiências “médicas” nos campos nazistas. A Siemens e a sua sócia General Eletric utilizaram os próprios prisioneiros dos campos de extermínio para construir suas câmaras de gás e várias outras se beneficiaram de trabalho escravo (incluindo Volkswagen, Kodak e Hugo Boss).

Fora da Alemanha se destacou o famoso empresário americano Henry Ford. Ford era antissemita assumido e teria participado da publicação do livro “O Judeu Internacional”, o qual acusava os judeus de serem conspiradores universais. Essa também era a teoria de Hitler, o qual teria usado a referida obra como fonte bibliográfica em seu livro “Minha Luta”. Hitler era um admirador público de Henry Ford. A empresa Ford estreitou laços comerciais com a Alemanha no período nazista, sendo uma das maiores exportadoras. Mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, Henry Ford continuou exportando maquinário para o regime nazista, principalmente caminhões, que foram usados para a guerra.

A comunidade científica e médica alemã recebeu de forma entusiasta as leis nazistas eugênicas e de purificação racial. O terror vigia nos campos nazistas com os mais variados “experimentos médicos”, nos quais os prisioneiros eram tratados como meras cobaias, sendo negada sua condição humana.

Entre estes “experimentos” ocorreram horrores como o congelamento (para analisar o processo de resistência ao frio e reaquecimento do corpo humano), no qual a vítima era submetida a uma espécie de banheira com água congelante, sendo introduzida uma sonda no reto para medir a temperatura corporal. Outros foram infectados com o vírus da malária, bactérias para transmitir tétano e tifo, queimados com gás mostarda e bombas incendiárias, submetidos a inanição, desidratação e esterilização compulsória. Também foram realizados testes de “pressão” e perda de oxigênio para simular altitudes de até 20.000 metros.

Em decorrência de tais atrocidades, houve o “Julgamento de Nuremberg dos Médicos”, no qual 23 pessoas (sendo 20 propriamente médicos) foram levados a julgamento. No entanto, um dos maiores sanguinários não esteve presente no referido julgamento. O médico Josef Mengele conseguiu fugir da Alemanha após a II Guerra Mundial para a Argentina, morrendo em Bertioga, SP, Brasil. O mesmo ficou famoso por seus experimentos no campo de Auschwitz (Polônia), envolvendo muitas vezes gêmeos, variando deste a aplicação de substâncias químicas em olhos de prisioneiros a fim de mudar sua cor, bem como amputação de membros e vivissecção de prisioneiros.

Por fim, mesmo nos países invadidos pelos nazistas, infelizmente, houve simpatizantes do nazismo que entregaram judeus e outras vítimas para o exército nazista e as “SS”.

Fonte da foto: Domínio Público – retirada por soldado do exército americano no dia 14/04/1945 no campo de Buchenwald (Alemanha), disponível em:
 https://www.nationalgeographic.com.es/temas/holocausto/fotos/1/26

Fonte: Jusbrasil





segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Evento de Carrington: a maior tempestade solar já registrada

Depois de um longo período de calmaria, nosso Sol finalmente está entrando em um novo ciclo de atividade. Nas últimas semanas, houve um aumento nas erupções registradas e uma intensa tempestade magnética atingiu a Terra. Mas nada que se compare à grande tempestade solar de 1859, também conhecida como Evento Carrington.

Intensas auroras polares provocadas pelas últimas tempestades solares e registradas a partir da Estação Espacial Internacional. Créditos: ESA/Thomas Pesquet

Imagine acordar de madrugada, com o céu iluminado por auroras polares tão intensas, que seria possível ler um jornal naquela luz. Foi o que aconteceu em 2 de setembro de 1859 durante uma das maiores tempestades solares já registradas. Muitos desavisados, levantaram e foram preparar o café, pensando que já havia amanhecido. Mas os impactos daquela tempestade foram muito além das auroras e das confusões momentâneas.

Tudo começou alguns dias antes. Desde o dia 28 de agosto, várias manchas vinham sendo observadas no Sol. As manchas solares são grandes áreas de temperatura reduzida na superfície do Sol. Elas se formam em regiões de intensa atividade magnética e, por isso, são prenúncio de grandes erupções solares, que podem lançar no espaço enormes quantidades de gases e partículas energizadas.


Filamento ejetado em uma erupção solar. Créditos: Nasa

Ao se aproximar do nosso planeta, essas partículas são desviadas pelo campo magnético da Terra e acabam atingindo a atmosfera nas regiões polares, formando as auroras. Só que o impacto dessas partículas comprime e distorce nosso campo magnético. Isso geralmente não representa maiores implicações, mas durante as tempestades mais intensas, pode nos trazer grandes problemas.

Quando os primeiros fluxos de partículas atingiram a Terra naquele 29 de agosto de 1859, geraram belas auroras polares, mas também deformaram nosso campo magnético, deixando nosso planeta praticamente indefeso. Foi então que, no dia 1° de setembro, Richard Christopher Carrington e Richard Hodgson observaram, de forma independente e pela primeira vez na história, uma grande erupção solar.

Aquela erupção lançou no espaço uma quantidade colossal de partículas ionizadas, viajando a impressionantes 8,5 milhões de quilômetros por hora e vindo diretamente em nossa direção. Menos de 18 horas depois e aquela nuvem de partículas ionizadas atingiu a Terra desprotegida, gerando uma das maiores tempestades geomagnéticas já registradas.

Além de intensas, as auroras foram vistas por quase todo o planeta, até mesmo em regiões tropicais, como no Hawaii e no Caribe. Os poucos sistemas elétricos existentes naquela época entraram em pane. Postes soltando faíscas aleatoriamente, telégrafos enlouquecidos em toda a Europa e América do Norte. Telegrafistas tomando choques e aparelhos funcionando mesmo depois de desligados.


“Aurora Borealis”, pintura de Frederic Edwin Church provavelmente inspirada na Grande Tempestade Solar de 1859

Felizmente, naquela época, os sistemas elétricos eram poucos e isso reduziu bastante os danos. Agora imagine o que poderia acontecer se algo assim ocorresse hoje.

Uma tempestade solar do mesmo porte teria a capacidade de danificar muitos dos nossos satélites, incluindo os de GPS e os de comunicação, que levam TV e internet para todo o mundo. Aqui na Terra, sistemas elétricos e de comunicação em pane. Aparelhos domésticos e celulares pifando, dando choque e até mesmo explodindo.

Estima-se que, se uma tempestade como a do Evento de Carrington ocorresse hoje, os prejuízos seriam superiores a 2 trilhões de dólares e seus efeitos levariam anos para serem superados. Por algum tempo, seríamos privados de boa parte da nossa tecnologia e voltaríamos aos tempos de Carrington, onde o melhor a se fazer seria contemplar as auroras.

Fonte: Olhar Digital.







quarta-feira, 7 de outubro de 2020

Urbanização e agricultura são os usos do solo que mais afetam os rios no Brasil

 O Brasil abriga o maior volume de água doce do mundo, mas essa reserva está se tornando mais escassa devido a fatores como mudanças climáticas, aumento do consumo e tratamento inadequado. Mais do que isso: as águas dos rios brasileiros estão perdendo qualidade por conta da falta de planejamento no uso do solo.

Mapa elaborado pela equipe de pesquisadores revela que apenas 26% de mata nativa está preservada na Floresta Atlântica (imagem: Journal of Environmental Management)


Agricultura e urbanização são os tipos de atividade que mais preocupam, mas não só. A mineração, apesar de ocupar pouco território, apresenta um alto potencial de dano à qualidade dos mananciais, apontam os autores de uma pesquisa brasileira publicada no Journal of Environmental Management.

A revisão foi liderada por Kaline de Mello, bióloga do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) apoiada pela FAPESP, e contou com a participação de pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade de Massachusetts e Universidade Estadual do Oregon, ambas nos Estados Unidos.

O trabalho é o primeiro a criar um panorama nacional sobre como cada tipo de uso do solo afeta os recursos hídricos nacionais. “A maioria dos estudos faz projeções sobre os impactos da mudança do uso do solo na quantidade de água disponível, não na sua qualidade, então não sabemos como estará a qualidade da água no país daqui a 30 anos”, comenta Ricardo Hideo Taniwaki, da UFABC, um dos autores.

A investigação, portanto, é um ponto de partida para vislumbrar o futuro da água no país em diversos cenários, otimistas e pessimistas.

Levantamento extenso

A análise foi dividida em etapas. Na primeira, os autores obtiveram informações sobre cobertura e uso da terra a partir da plataforma Mapbiomas. Nesse momento, foi possível observar a preservação da vegetação nativa e a extensão de atividades com possível impacto na qualidade da água: agricultura, pasto, silvicultura, mineração e urbanização.

“Depois, separamos os estudos que avaliaram em campo o efeito da atividade em questão nos rios próximos a ela, nos diferentes biomas brasileiros”, conta Mello. Entre os parâmetros usados para medir a qualidade da água estão a presença de coliformes fecais, sedimento, nitrogênio, fósforo, metais pesados e outros poluentes.

Em uma segunda fase, além da atividade em si, o grupo mostrou que a degradação varia conforme a escala usada para avaliá-la, e que isso deve ser levado em conta no planejamento de ações de preservação.

Na escala espacial, pode-se medir o efeito daquele tipo de atividade na margem do rio, exatamente no ponto de coleta da água, na faixa de vegetação ripária (também conhecida como mata ciliar) ou em toda a bacia hidrográfica. “Deste grupo, a análise da bacia hidrográfica parece refletir melhor a qualidade da água como um todo”, pontua Taniwaki.

Já a escala temporal mostra a variação de acordo com dados de temperatura, estações do ano e períodos de chuva. “Isso é bem importante no cenário de mudanças climáticas que vivemos, onde a previsão é de chuvas mais intensas e secas mais prolongadas e, se a atividade agrícola não tiver boas práticas, o potencial de poluição dos rios e riachos é maior”, continua Taniwaki.

Por fim, o grupo discute cenários possíveis projetados com modelos matemáticos capazes de prever a qualidade futura da água. “Destacamos modelos já disponíveis no Brasil que podem ser utilizados para simular o impacto de medidas positivas e negativas, bem como os dados que seriam necessários para isso”, comenta Mello.

Impacto por tipo de solo

Atualmente, 28,8% do território brasileiro é ocupado por pasto e agricultura, concentrados principalmente no Cerrado (42% do total) e na Floresta Atlântica (62%). “Nas áreas de pastagem, o solo é compactado pelos animais, o que afeta a absorção de água pelo solo, aumentando o escoamento superficial e faz com que uma maior quantidade de água e poluentes chegue ao corpo d’água quando chove”, destaca Mello.

A agricultura também afeta a dinâmica de escoamento, além de ser responsável por um grande aporte de poluentes como nitrogênio, fósforo e outras substâncias químicas nos rios e riachos. “Vale lembrar que o Brasil é um dos maiores consumidores de fertilizantes e agrotóxicos do mundo, o que gera um grande impacto nas águas superficiais e subterrâneas”, continua a pesquisadora.

Nas áreas urbanas há dois problemas principais. “Primeiro, a impermeabilização quase que total do solo, graças ao asfalto, então tudo que fica ali, inclusive metais pesados, é escoado para o rio quando chove, e não temos muitos programas de tratamento de água pluvial”, aponta Taniwaki.

Depois, apesar de ocuparem apenas 0,6% do solo do país, as cidades são grandes responsáveis pela degradação das águas por conta do esgoto não tratado, que despeja nos rios coliformes fecais, matéria orgânica e outros poluentes. Para se ter ideia, cerca de 48% da população não conta com coleta de esgoto em casa. E apenas 10% das 100 maiores cidades brasileiras tratam mais do que 80% do esgoto coletado.

O padrão “pouco espaço, muito estrago” se repete no caso da mineração, atividade que sabidamente libera nos cursos de água metais pesados tóxicos aos humanos e à fauna e flora locais. As recentes tragédias nas barragens de Brumadinho (MG) e Mariana (MG) evidenciaram esses impactos.

Depois do rompimento em Mariana, mais de 650 quilômetros do rio Doce, um dos mais importantes do país, foram poluídos, afetando mais de 1 milhão de pessoas. Já as análises de água do rio Paraopeba, um dos afetados pelo colapso em Brumadinho, mostram valores de chumbo e mercúrio 21 vezes acima do aceitável depois do acidente.

“E ainda temos mais de 40 barragens que estão em risco de acidentes do tipo”, alerta Taniwaki.

Biomas mais ameaçados

Mello destaca que, no geral, a perda da mata nativa é o que mais ameaça os recursos hídricos nos biomas brasileiros e menciona a situação dos rios e outros cursos d’água na região da Mata Atlântica, que concentra 65% da população brasileira.

Um mapa elaborado pela equipe de pesquisadores revela que apenas 26% de mata nativa está preservada na Floresta Atlântica. Não à toa, apenas 6,5% dos principais rios da região têm água avaliada como de boa qualidade.

Outros dois biomas que preocupam são a Amazônia e o Cerrado. A Amazônia, apesar de ainda conservar boa parte de sua vegetação nativa, vive um momento delicado. “Em 2019, enfrentou sua maior perda florestal em dez anos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais”, destaca Mello.

O desmatamento na região cresceu 108% em janeiro de 2020, em comparação com o mesmo mês de 2019. No Cerrado, só restam 19% da vegetação original. “Faltam estudos sobre a qualidade da água nessas duas regiões, que são justamente as que mais estão sofrendo com a expansão das fronteiras agrícolas”, afirma Mello.

O futuro da água no Brasil

Com modelos matemáticos já disponíveis na literatura, gestores e pesquisadores podem projetar o futuro da qualidade de água em suas regiões e detectar que tipo de intervenção é mais eficaz naquela situação específica. Uma das ferramentas destacadas pelos autores, a avaliação multicriterial, utiliza a participação social, estatal e privada para priorizar áreas a serem restauradas em um cenário de escassez de recursos financeiros.

Para que essa análise seja feita de maneira mais assertiva, contudo, é preciso melhorar a qualidade dos dados disponíveis, que, para os pesquisadores, é escassa. “É difícil fazer projeções com as informações sobre qualidade da água e uso do solo que temos agora, e elas são fundamentais para criar políticas públicas”, comenta Taniwaki.

“Até agora, as estimativas que temos indicam uma severa degradação da qualidade da água caso o desmatamento e o saneamento básico não melhorem nos próximos anos”, prevê Mello. As consequências negativas no longo prazo incluem mais gastos para tratar a água poluída antes que ela seja utilizada ou para trazê-la de regiões mais distantes, um custo transmitido à população via conta de água, e mudanças drásticas nos outros serviços ambientais oferecidos por rios e riachos.

“Por outro lado, simulações feitas da restauração das Áreas de Preservação Permanente [florestas ripárias] com o cumprimento do Código Florestal evidenciam uma melhora da qualidade da água com a redução de sedimentos, nitrogênio e fósforo”, diz Mello.

Daí a necessidade de atuar em prol do cumprimento das legislações ambientais e de uma expansão agrícola e urbana planejada. “Os estudos que avaliamos mostram ainda os efeitos negativos do afrouxamento das leis e a diminuição do investimento em pesquisas”, encerra Taniwaki.

Fonte: Agência FAPESP

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Atafona: a cidade que o Brasil vem perdendo para o mar

Distrito de Atafona, antigo balneário no RJ, vem sendo engolido pelo mar há 50 anos - Rafael Duarte
Distrito de Atafona, antigo balneário no RJ, vem sendo engolido pelo mar há 50 anos
Imagem: Rafael Duarte

Neste antigo balneário do litoral do Rio de Janeiro, o Atlântico vem destruindo ruas, casas e comércios há mais de 50 anos. Estima-se que as águas já tenham derrubado pelo menos 500 construções. + Barragens no Rio Paraíba do Sul, bem como a devastação das matas ciliares ao longo do seu curso, estão entre as causas do fenômeno. Com o fluxo diminuído e o leito assoreado, o rio não consegue vencer o mar, que avança com cada vez mais força sobre a foz, onde fica Atafona. 

Segundo pesquisadores, as mudanças climáticas aceleram o processo de erosão, uma vez que influenciam a frequência e intensidade de ressacas e tempestades mais extremas. Em Atafona, o mar avança 3 metros por ano.

De acordo com a Organização Internacional para as Migrações, 295 mil novos deslocamentos provocados por causas ambientais foram registrados no Brasil em 2019. No mundo, o número supera o de deslocamentos por conflitos internos. Vítimas de um impacto ambiental lento e contínuo que vem destruindo a costa, os moradores do distrito de Atafona, em São João da Barra (RJ), buscam ressignificar suas relações com a cidade enquanto vivem a expectativa de um futuro incerto. Com o mar engolindo suas casas há mais de 50 anos, eles aguardam soluções para os impactos gerados na comunidade onde acontece um dos desastres ambientais de erosão costeira mais severos do Brasil.

Balneário de Atafona, na costa norte fluminense - Mongabay - Mongabay
O distrito de Atafona fica na costa norte fluminense - Imagem: Mongabay

Especialistas apontam como causas deste fenômeno uma soma de fatores, que incluem ações humanas e efeitos das mudanças climáticas numa região que, desde o início, teve uma ocupação habitacional desordenada em seu litoral. Os primeiros registros que se têm notícia da erosão costeira em Atafona datam de 1954, na Ilha da Convivência, que hoje já foi praticamente toda engolida e seus habitantes forçados a deixar suas casas e buscar moradia em outros lugares. Na praia de Atafona, o evento veio a ocorrer cerca de cinco anos depois, mas a destruição se intensificou na década de 1970 e não parou até os dias de hoje. A Prefeitura de São João da Barra calcula que o avanço do mar já destruiu 500 residências e comércios. Moradores locais e pesquisadores estimam que este número pode ser ainda maior e que o número de pessoas forçadas a se deslocar, inclusive migrando para outras cidades ou estados, tenha passado das 2 mil.

No mundo, o número de deslocados por causas ambientais — tais como erosão costeira, incêndios florestais, inundações e deslizamentos — supera o número de deslocamentos por conflitos internos. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), um total de 295 mil novos deslocamentos por desastres ambientais foram registrados em 2019 no Brasil. Os dados, porém, contabilizam apenas desastres ocorridos em eventos pontuais, como inundações, deslizamentos de terra e tempestades. Mas não em processos mais graduais como o de Atafona. No ano passado, de acordo com dados do relatório do IDMC (Internal Displacement Monitoring Center), o país computou 240 pessoas forçadas a se deslocar no Brasil por erosão costeira, mas a OIM acredita que haja subnotificação.

Distrito de Atafona (RJ) em dois momentos - Rafael Duarte - Rafael Duarte
Atafona (RJ) em dois momentos, no intervalo de apenas 16 anos Imagem: Rafael Duarte

Por que o mar avança

Uma das principais causas apontadas pelo impacto em Atafona é a diminuição do fluxo de água do Rio Paraíba do Sul e seu consequente assoreamento, causados pela construção de barragens a montante. Isto faz com que o Atlântico vença a queda de braço com o rio na foz, com efeitos no fluxo de correntes, no acúmulo de areia e lama no leito e no movimento das ondas na praia. 

O desmatamento das matas ciliares ao longo de todo o curso fluvial também teria contribuído para o assoreamento do Paraíba do Sul, assim como o aumento populacional das cidades do entorno, que se abastecem da mesma água — como Campos dos Goytacazes, com meio milhão de habitantes, situada a apenas 40 km de Atafona.
Processos geológicos naturais também são apontados como um dos fatores, em um ritmo muito lento, mas observa-se um consenso entre os pesquisadores e moradores de que a erosão costeira tem sido intensificada e acelerada em decorrência de um combinação de ações humanas e efeitos das mudanças climáticas, como a elevação do nível do mar.

De acordo com Gilberto Pessanha Ribeiro, engenheiro cartógrafo, professor do Instituto do Mar e coordenador do Observatório da Dinâmica Costeira da Unifesp, que pesquisa o caso de Atafona há 17 anos, é preciso que existam mais pessoas estudando o assunto. "Fizemos descobertas fantásticas sobre a diversidade da compreensão do fenômeno na comunidade. Surgiram inclusive questões antropológicas. É uma área do litoral que mistura ciência, afeto, misticismo e religião. As pessoas adoram aquele lugar. Existe muito afeto envolvido. Atafona se tornou um personagem", destaca o pesquisador.

Recentemente, o canal da parte sul da foz se fechou pelo assoreamento do rio, agravando ainda mais a crise da pesca artesanal local e colocando em risco a sobrevivência da comunidade tradicional da região. 

Por mais que o fenômeno já aconteça há mais de meio século, ainda se trata de um caso relativamente pouco conhecido pela opinião pública em geral, dada a sua relevância. A população local analisa que foram tímidas as ações de todas as esferas de governo ao longo da história. Atualmente, os moradores pressionam governos e instituições envolvidas na esperança de que sejam tomadas providências, ainda que não haja nenhuma solução óbvia ou rápida para solucionar o problema em curto ou médio prazos.

Balneário de Atafona, na costa norte fluminense - Rafael Duarte - Rafael Duarte
Combinação de ações humanas e mudanças climáticas ajudam a explicar caso de Atafona - Imagem: Rafael Duarte.

Para o geógrafo Dieter Muehe, um dos principais especialistas do país em erosões costeiras, o avanço do mar no Brasil não é apenas uma realidade, mas sim uma tendência. "Atafona é um hotspot de tendência continuada. A praia ganha e perde sedimentos, mas o balanço em Atafona não é equilibrado. A praia perto da foz perde mais do que ganha, o que causa a erosão", explica. "E a lama também impede a mobilização do fundo marinho. O rio não joga no mar a quantidade de areias que deveria. Com as barragens, não há mais cheias excepcionais que expulsam grandes quantidades de areias para a plataforma. As mudanças climáticas aceleram o processo erosivo, uma vez que influenciam a frequência e intensidade de ressacas e tempestades mais extremas." 
Os efeitos mais perceptíveis da erosão costeira para a população brasileira, segundo ele, são aqueles que ocorrem em áreas urbanas, devido aos prejuízos materiais que ela causa. "

O avanço do mar é, sim, uma tendência. A barreira arenosa já vinha se aproximando lentamente do continente ao longo de séculos de forma imperceptível. Observamos que hoje os efeitos de ações humanas no meio ambiente estão acelerando este processo. O que se constata é que o processo está tão veloz que um ser humano consegue perceber ao longo de uma vida. Uma pessoa que vive em uma área mais vulnerável no litoral pode até conseguir passar uma vida naquela moradia, mas talvez não dure para as gerações seguintes", afirma o geógrafo. 

Este foi o caso do jornalista local João Noronha, que perdeu em 2006 para o mar a casa que herdou de sua família. Autor de dois livros sobre Atafona, ele está com o terceiro pronto para ser impresso. "Nos anos 1940, Atafona se tornou conhecida por ser uma praia medicinal. Nos anos 1970, virou moda e foi palco de bailes da aristocracia fluminense em grandes clubes", conta ele. "Inicialmente, eu relutava em tocar no assunto da erosão nos jornais para os quais escrevia. Tinha um certo bloqueio devido a um valor sentimental de quem passou pelo trauma de perder a casa da sua família. Semanas antes de minha casa cair, doei todos os materiais que estavam nela e me mudei para uma outra, bem menor, num outro bairro a 6 km de lá. O município não deveria ter permitido as construções na área costeira."

Balneário de Atafona, na costa norte fluminense - Rafael Duarte - Rafael Duarte
Construção de barragens e retirada da mata são alguns dos motivos para avanço do mar - Imagem: Rafael Duarte.


Fonte: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/noticias-da-floresta/2020/08/06/atafona-a-cidade-que-o-brasil-vem-perdendo-para-o-mar.htm