domingo, 13 de novembro de 2022

COP 27: cerrado desmatado pode reduzir águas nos rios em 1/3 e afetar geração de energia, indica estudo

Leandro Machado 

Da BBC News Brasil em São Paulo 

10 novembro 2022

ANDRE DIB/ISPN
Rios do Cerrado perderam 15,4% de sua vazão de água entre 1985 e 2018, aponta estudo

Os rios do Cerrado, responsáveis por boa parte do abastecimento hídrico e da geração de energia elétrica do Brasil, perderam 15,4% de sua vazão de água por causa do desmatamento e das mudanças climáticas entre 1985 e 2022.

E a perspectiva de futuro não é nada animadora: um terço do volume de águas (34%) tende a ser perdido até 2050 caso a destruição do bioma continue no ritmo atual.

Essas são algumas das conclusões de um estudo inédito sobre a redução das vazões dos rios do Cerrado, realizado pelo geógrafo Yuri Salmona, doutor em ciências florestais pela Universidade de Brasília (UnB).

Oito das 12 principais bacias hidrográficas brasileiras — como as dos rios São Francisco e Paraná — nascem no território do Cerrado, conhecido como "berço das águas" e segundo maior bioma do país, só atrás da Amazônia.

A pesquisa, que foi apoiada pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), analisou o comportamento de 81 bacias hidrográficas. No total, 88% delas já apresentam diminuição da vazão de água causada por alterações do uso do solo e, em menor escala, pelas mudanças climáticas.

O geógrafo mediu a recente perda e a tendência para o futuro por meio de modelos matemáticos, compilando dados históricos sobre vazão de água, alterações no uso do solo, chuvas e evapotranspiração (ciclo de retorno da água à atmosfera).

Segundo ele, 56,7% da queda da vazão se deve a mudanças do uso do solo no entorno dos rios, especialmente para expansão do agronegócio — outros 43,3% foram causados pelas mudanças climáticas no planeta.

Em grande parte, a vegetação do Cerrado vem sendo destruída para implantação de pastos ou de grandes áreas de cultivo de commodities, como a soja. Estima-se que 47% da área original do bioma já foi totalmente desmatada.

"De 1985 para cá, nós perdemos 19,7 mil metros cúbicos de água por segundo nas bacias analisadas, o equivalente à vazão do rio Paraná. É como se tivéssemos jogado fora o rio Paraná inteiro nesse período", explica Salmona.

Para projetar a queda da vazão nos próximos 28 anos, o pesquisador considerou os índices de desmatamento atuais e a tendência para o futuro.

Ele levou em conta uma possível queda dessa taxa — hoje entre 5 mil e 8 mil km² por ano — porque se o desmatamento continuar no ritmo atual, logo não haverá mais Cerrado para desmatar. "É como um homem calvo: ele já perdeu todos os fios de cabelo com potencial para cair. Os restante não vai cair porque é o resto mesmo", explica.

Segundo Salmona, perder um terço dessas bacias significa diminuir a oferta de água que vai chegar nas torneiras da população, pois os rios que nascem no Cerrado abastecem dezenas de milhões de pessoas no país.

Outra consequência é a geração de energia elétrica.

"Menos água significa que vamos gerar menos energia elétrica nas usinas. Conservar o Cerrado é uma questão estratégica e de soberania nacional", diz o geógrafo, cujo estudo foi apresentado no programa de doutorado da UnB, na semana passada.

Das bacias analisadas, Salmona destaca três rios cujo volume de água está caindo com o avanço do agronegócio em seu entorno: o rio da Corda, no Maranhão, e os rios Arrojado e Ondas, ambos na Bahia.

No primeiro, o volume diminuiu 25% de 1985 a 2022 — ou seja 391,5 metros cúbicos por segundo.

De acordo com o geógrafo, 74% desse valor teve como causa a substituição da vegetação original do entorno para dar lugar a pastagens, produção de commodities e áreas urbanas. Para os próximos 28 anos, as projeções indicam uma perda 56% do tamanho atual do rio da Corda.

No oeste baiano, a situação é parecida.

Os rios de Ondas e Arrojado registraram diminuição do volume de água em 25% e 18,2%, respectivamente. E a tendência é que o primeiro vá perder 56% da água até 2050; e o segundo, 36,2%.

"As comunidades que vivem nessas áreas já estão sentindo os efeitos em seu modo de vida com a diminuição da água, algumas só conseguem ficar em períodos de cheia. Já existe o que chamamos de 'guerra da água', com grupos econômicos controlando o acesso à água enquanto a população sofre com a escassez", explica Salmosa.

Em entrevista recente à BBC News Brasil, o biólogo Reuber Brandão, professor de manejo de fauna e de áreas silvestres da UnB, afirmou que nascentes de alguns rios no oeste da Bahia, como o Formoso e o Arrojado, recuaram vários quilômetros em virtude do avanço do agronegócio.

"Conheço veredas cujas nascentes recuaram mais de 10 quilômetros em relação à original. Essas áreas, que tinham a presença de corpos aquáticos na paisagem, passaram a ser muito mais secas", disse.

"Isso tem um impacto muito grande sobre fauna e flora, porque as plantas que precisam ter contato com a água do solo sofrem um estresse hídrico e começam a morrer. Já a fauna foge para procurar água", completou.

Irrigação de soja
Além do desmatamento, boa parte da água do Cerrado é utilizada para irrigação de produtos agrícolas, principalmente a soja. Essa água é retirada do solo com autorização do Estado, por meio de outorgas previstas na lei.

Ela é utilizada nos chamados pivôs centrais, círculos de irrigação com uma lança de 150 metros.

EMBRAPA
Pivô central utilizado para irrigar lavoura

Uma reportagem da Agência Pública de 2021 apontou que, apenas no oeste baiano, o agronegócio capta 1,8 bilhão de litros de água por dia de maneira gratuita para irrigação, com autorização do governo do Estado.

Esse volume seria o suficiente para abastecer cerca de 11,8 milhões de brasileiros. Parte dessa água é retirada por meio de barramentos em riachos e veredas, além da captação direta de rios e de poços.

"O agronegócio está inviabilizando seu próprio modelo ao desmatar e utilizar a água dessa maneira sem controle externo, porque ele depende da água para funcionar. Não estamos apenas exportando soja, mas exportando água. E se a água acabar, o que vai acontecer? É a cobra comendo o próprio rabo", diz Salmona.

Biodiversidade do Cerrado
O Cerrado é a savana com maior biodiversidade no planeta, com cerca de 14 mil espécies de plantas, além de uma rica fauna.

Segundo o Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o bioma perdeu 4.091,6 km² para o desmatamento entre janeiro e julho deste ano, alta de 28,2% em relação ao mesmo período do ano passado.

Os dados mostram que os Estados que mais desmataram estão na região conhecida como Matopiba — principal fronteira de expansão agrícola no país: Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

De acordo com o MapBiomas, plataforma que monitora o uso do solo no Brasil, 45,4% do Cerrado já foi destruído para dar lugar à agropecuária.

Alguns estudiosos do bioma, como Yuri Salmona e Reuber Brandão, defendem que a economia brasileira teria mais benefícios se investisse em ciência e tecnologia desenvolvidas a partir da abundante biodiversidade do Cerrado do que com o atual modelo centrado em monoculturas e produção de commodities para exportação.

"Hoje o Brasil está destruindo o potencial econômico de 14 mil espécies, que poderiam movimentar a indústria de cosméticos, por exemplo, para focar na produção de três espécies: soja, capim e eucalipto", diz Salmona.

Já Brandão acredita que produtos de vários setores poderiam ser desenvolvidos.

"O Cerrado tem um potencial de biodiversidade gigantesco. Seja para bioprodutos tecnológicos, como colas, ou para alimentícios, cosméticos e medicamentos, como analgésicos. Há proteínas do veneno da jararaca, por exemplo, com valor econômico enorme. Ou a grande quantidade de palmeiras e castanhas que nunca foram estudadas", explicou.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63562381


sexta-feira, 4 de março de 2022

Guerra biológica

 


Guerra biológica: O mundo vive mais uma guerra que pode nos levar a consequências imprevisíveis. E no curso da história, diversas vezes adversários recorreram a táticas “sujas”, com o uso de armas biológicas. Embora não se espere que elas sejam novamente usadas, vale lembrar ocasiões em que o mundo viveu a guerra biológica e seus efeitos nefastos.

Guerra biológica, quando microorganismos viram armas.

Quando Gengis Khan, fundador do Império Mongol e brilhante estrategista, catapultava corpos em estado avançado de decomposição contaminados com a peste negra, no ano de 1347, ele estava sendo um dos pioneiros da guerra biológica.

Esta prática consiste no uso de agentes infecciosos (microorganismos patogênicos) ou toxinas biológicas para causar mortes.

Khan estava atacando os muros do porto de Caffa, no Mar Negro, hoje Teodósia, Ucrânia. Os registros históricos apontam que a iniciativa surtiu efeito — muitos óbitos se sucederam pela doença — e alguns historiadores acreditam que a peste teria rumado para a Europa com os sobreviventes de Caffa, tomando milhões de vidas humanas.

Desde então, a guerra biológica foi usada certas vezes em que a diplomacia e as armas tradicionais foram consideradas insuficientes. Em 1710, por exemplo, o exército russo lutando contra as forças suecas no território que hoje é Tallinn, na Estônia, também arremessou cadáveres com a peste sobre os muros da cidade.

Em 1763, tropas britânicas sitiadas no que hoje é Pitsburgo, durante a Rebelião de Pontiac, passaram cobertores infectados com o vírus da varíola para os indígenas, causando uma epidemia devastadora entre suas fileiras.

Armas biológicas nas grandes guerras

Na Primeira Guerra Mundial a Alemanha iniciou um programa secreto para infectar cavalos e gado dos exércitos aliados, mas felizmente esta tentativa não teve sucesso.

Os horrores da Grande Guerra fizeram com que a maioria dos países assinasse o Protocolo de Genebra de 1925, proibindo o uso de armas biológicas e químicas. No entanto, o Japão, uma das partes signatárias do protocolo, engajou-se em um programa secreto de guerra biológica, violando o tratado quando usou armas biológicas contra as forças aliadas na China, antes e durante a Segunda Guerra Mundial.

Os japoneses faziam experimentos em prisioneiros. Eles expuseram mais de 3.000 vítimas à peste, antraz, sífilis e outros agentes na tentativa de estudar o potencial da doença. Na verdade, muitos soldados japoneses morreram vitimas do seu próprio ataque de armas biológicas durante a Campanha de Zhejiang-Jiangxi em 1942. Estava evidente a dificuldade de se garantir biossegurança na guerra biológica.

Guerra Fria

Na Guerra Fria, os EUA e a ex-URSS desenvolvem pesquisas com armas biológicas. Em 1969, o presidente Nixon, dos Estados Unidos, encerrou o programa de armas biológicas americano. Desde então, as leis norte-americanas proíbem o uso de armas biológicas. A criação e o armazenamento de armas biológicas foi banida pela Convenção sobre A. B. (BWC) de 1972. O acordo foi assinado cerca de 150 países, incluindo o Brasil.




Apesar de ter assinado a BWC, a antiga União Soviética continuou expandindo seu programa, atraindo atenções internacionais depois que o vazamento de antraz de Sverdlovsk em 1979 matou de 65 a 100 pessoas.

Felizmente, o entendimento de que as armas biológicas não são seguras para nenhuma das partes tem afastado a ideia de investimentos na guerra biológica. Entretanto, nada garante que políticos irresponsáveis possam achar conveniente usar vírus e bactérias como armas.

Fonte: biologo.com.br

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Pesquisa da USP mostra erros de higiene na cozinha que colocam a saúde em risco

Realizado pelo Centro de Pesquisas em Alimentos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, o estudo analisou as medidas de higiene, manipulação e armazenamento de alimentos junto a 5 mil pessoas de todos os Estados brasileiros


De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), todos os anos cerca de 600 milhões de indivíduos no mundo adoecem e 420 mil morrem em decorrência de doenças transmitidas por alimentos (DTA). No Brasil, entre 2000 e 2018, foram registrados oficialmente 247.570 casos de DTA com 195 mortes, segundo dados do Ministério da Saúde. E qual foi a origem principal da contaminação apontada pelo estudo? A cozinha da própria casa. 

Diante desses dados, os pesquisadores do Centro de Pesquisas em Alimentos, também chamado Food Research Center (FoRC), da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, realizaram um estudo para analisar os hábitos de higiene e práticas relativas à higienização, manipulação e armazenamento dos alimentos nas residências dos brasileiros. Os resultados mostram que uma parcela expressiva da população adota medidas inadequadas. Portanto, está mais exposta às DTA. Feita com 5 mil pessoas de todos os Estados brasileiros (a maioria mulheres entre 25 e 35 anos e com renda entre 4 e 10 salários mínimos), a pesquisa também verificou as temperaturas das geladeiras de 216 residências no Estado de São Paulo. 

Cerca de 46,3% dos participantes disseram ter o hábito de lavar carnes na pia da cozinha, 24,1% costumam consumir carnes malcozidas e 17,4% consomem ovos crus ou malcozidos em maioneses caseiras e outros pratos. “Lavar carnes, especialmente a de frango, na pia da cozinha pode espalhar potenciais patógenos no ambiente, representando uma prática de risco”, explica o coordenador da pesquisa, Uelinton Manoel Pinto, professor da FCF e integrante do FoRC.  

Segundo ele, o consumo de alimentos de origem animal malcozidos ou crus também apresenta risco microbiológico, já que o recomendado é cozinhar o alimento a uma temperatura mínima de 74°C para garantir a inativação de patógenos que podem estar presentes no produto cru. “Lembrando que nem todo produto cru de origem animal contém micro-organismos patogênicos, mas existe esse risco e o cozimento adequado garante que esses micro-organismos sejam eliminados ou reduzidos a níveis seguros.” 

Com respeito às práticas de higienização de verduras, 31,3% costumam fazer a higienização apenas com água corrente e 18,8%, com água corrente e vinagre. Para higienização de frutas, 35,7% utilizam apenas água corrente e 22,7%, água corrente e detergente. “Para a higienização segura de verduras, legumes e frutas que serão consumidos crus a recomendação é lavar com água corrente e utilizar uma solução clorada com um tempo de contato mínimo de 10 minutos, seguido de novo enxágue em água corrente”, acrescenta. O porcentual de pessoas que usam água com solução clorada, no estudo, foi de 37,7% (para verduras) e 28,5% (para frutas). Vale ressaltar que vegetais que serão cozidos ou frutas que serão consumidas sem a casca não precisam passar pela desinfecção em solução clorada. 


Aprendendo a armazenar os alimentos
Os resultados da pesquisa da FoRC mostram que parcela significativa dos entrevistados realiza práticas de higiene, manuseio e armazenamento de alimentos inadequadas.

Para corrigir estes erros, os pesquisadores elaboraram um material educativo para orientar sobre a forma correta de armazenar os alimentos na geladeira.





Cuidados na refrigeração
Ao fazer compras em supermercados, a maioria dos participantes (81%) não utiliza sacolas térmicas para transportar alimentos refrigerados ou congelados até suas residências. “Em um país como o Brasil, onde as temperaturas chegam facilmente a 30°C em várias cidades durante o ano todo, é fundamental que os produtos perecíveis sejam transportados em condições adequadas, dentro de uma sacola térmica”, destaca Jessica Finger, nutricionista e pesquisadora que conduziu a pesquisa, que teve ainda o envolvimento de um aluno de iniciação científica, Guilherme Silva, graduando de Nutrição da USP.  

Com relação às sobras de alimentos, 11,2% dos participantes relataram armazená-las na geladeira passadas mais de duas horas do preparo, o que representa risco à segurança dos alimentos. “Não é recomendado deixar alimentos prontos por mais de duas horas sem refrigeração, visto que a temperatura ambiente favorece o crescimento microbiano nesses alimentos. Essa é uma das principais práticas responsáveis por surtos de doenças de origem alimentar,” acrescentam os pesquisadores. 

Evidenciou-se também que era comum entre os participantes descongelar os alimentos em temperatura ambiente (39,5%) ou dentro de um recipiente com água (16,9%), o que também não é adequado, visto que os alimentos devem ser mantidos a uma temperatura segura durante o descongelamento, podendo ser realizado na geladeira ou no micro-ondas. 

Armazenamento de carnes
Sobre o armazenamento de carnes na geladeira, a maioria dos participantes (57,2%) relatou armazenar as carnes na própria embalagem que contém o produto. Esta prática é questionável, uma vez que é preciso utilizar um recipiente adequado para evitar o gotejamento do suco da carne e a contaminação de outros alimentos estocados no refrigerador.  

A boa notícia é que em relação à temperatura dos refrigeradores, dos 1.944 registros coletados, 91% ficaram entre a faixa de temperatura recomendada, de 0 a 10°C. Este dado é importante, pois pode ser utilizado em estudos de modelagem para prever a multiplicação de micro-organismos nos alimentos refrigerados. 

Fonte: Jornal da USP - 12/12/2021



sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Uso de máscara não afeta a respiração nem resposta cardiovascular durante exercício físico

Embora possa causar algum desconforto, o uso de máscaras de tecido não interfere significativamente nos padrões de respiração e fisiologia cardiovascular durante a prática de exercício físico em intensidades moderadas a vigorosas. Foi o que mostrou estudo com homens e mulheres não envolvidos em esporte competitivo.


Resultado de estudo realizado por pesquisadores da USP pode servir de base para novas recomendações para a promoção da saúde e bem-estar durante a pandemia de COVID-19 (foto/crédito: Natália Mendes Guardieiro)

“ O estudo mostra que os mitos de que o uso de máscara durante o exercício físico seria prejudicial, afetando, por exemplo, a saturação de oxigênio do sujeito, não se sustentam. O uso da proteção não alterou significativamente o funcionamento corporal durante a prática de exercício moderado a pesado”, afirma Bruno Gualano , professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e autor do artigo.

O estudo, apoiado pela FAPESP, foi divulgado na plataforma medRxiv , em formato pré-print, sem a revisão dos pares.

No estudo, realizado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP, 17 homens e 18 mulheres saudáveis realizaram testes ergoespirométricos em esteira – que avaliam as respostas cardiopulmonares por meio da troca de gases expirados e inspirados durante o exercício físico – em diferentes intensidades de esforço. Os participantes do estudo correram com máscara de tecido de três camadas e sem ela, numa outra sessão, para que a comparação fosse feita. Foram avaliadas diferentes intensidades de exercícios.

Os testes permitiram analisar uma infinidade de variáveis fisiológicas, como o consumo de oxigênio e a capacidade respiratória. “Também avaliamos medidas de funcionamento cardiovascular, a saturação de oxigênio e a acidose no sangue. A conclusão foi que as perturbações provocadas pela máscara foram muito pequenas, especialmente nas intensidades abaixo do esforço máximo, que são capazes de trazer enormes benefícios à saúde”, afirma Gualano.

Respostas fisiológicas compensatórias

Já nas altas intensidades – quando o sujeito faz o máximo esforço possível antes de entrar em cansaço extremo e parar o exercício – foi possível perceber pequenas alterações respiratórias. “Mas o organismo consegue lidar bem com isso, por meio de respostas fisiológicas compensatórias. A saturação de oxigênio, a frequência cardíaca, a percepção do esforço, os níveis de lactato (medida indicativa do equilíbrio ácido-base no organismo), a pressão arterial, tudo isso está dentro do esperado, mesmo com uso da máscara e em intensidades criticas”, afirma.

O pesquisador ressalta que os resultados do estudo permitem formular novas recomendações para a prática de exercício físico durante a pandemia.

“As máscaras não podem ser usadas como muleta para que as pessoas não pratiquem exercício físico. A pandemia é longa, e as máscaras junto com a vacinação são medidas necessárias para que o vírus não se dissemine; ao mesmo tempo, é importante que as pessoas continuem se exercitando. Vimos que, entre as intensidades moderadas e pesadas, que sabidamente fazem bem para a saúde, não há alteração marcante de fatores fisiológicos. Portanto, é preciso continuar usando a máscara em ambientes fechados. O uso de máscara e a prática de atividade física não são excludentes”, diz.

“Já para quem quiser fazer exercícios em intensidades exaustivas, pode realizá-los ao ar livre, sem aglomeração e em locais onde seja possível retirar a máscara por um período para que não ocorra perda de desempenho. É bom lembrar que, mesmo em altíssima intensidade, os efeitos da máscara foram mínimos”, completa.

Outro ponto interessante do estudo foi que, no geral, os resultados foram similares tanto para os homens quanto para mulheres. “A fisiologia do exercício de homens e mulheres é muito diferente, o que nos levou a pensar que pudesse haver um efeito diferente da máscara, mas isso não aconteceu”, diz.


Jogos Olímpicos com máscara

O mesmo grupo de pesquisadores realizou, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), outro estudo com atletas de alto nível. “Nesse outro estudo também observamos que as máscaras não prejudicavam o rendimento. Era apenas a percepção de esforço que aumentava: os atletas reclamavam do incômodo provocado pela máscara, mas o desempenho não se alterava”, conta.

Gualano relata que os resultados do estudo foram publicados antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio. “Tendo em vista todos os prejuízos esportivos, econômicos e organizacionais que decorrem da infecção de um atleta competitivo, sugerimos na época que seria interessante pensar no uso de máscara durante o treino, uma vez que o desempenho é pouco afetado; pode ser um trade-off interessante”, diz.

O pesquisador explica que, de maneira geral, atletas de alto rendimento não costumam apresentar quadros graves de COVID-19. “Mas o risco não é zero. Além disso, há o prejuízo do esporte, pois tem que isolar, testar contactantes e recuperar o atleta, o que é uma perda imensa para o competidor e para a equipe. Nos Jogos Olímpicos, vimos casos de atletas que perderam a competição por terem se infectados. Com a nova onda na Europa e nos Estados Unidos, os casos no esporte têm crescido substancialmente, e diversas ligas correm o risco de serem paralisadas”, diz.

A equipe de pesquisadores estuda agora o uso de máscara durante o exercício físico com grupos clínicos e crianças. “Estamos testando os efeitos do uso de máscaras em crianças saudáveis e com obesidade durante o esforço em diferentes intensidades, para entender se as máscaras são seguras em outros grupos mais vulneráveis também”, afirma.


Fonte: Agência FAPESP