quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Células do próprio paciente são usadas em tratamento inovador contra o câncer

Karina Toledo  |  Agência FAPESP – Um tratamento inovador contra o câncer, feito com células reprogramadas do próprio paciente, foi testado pela primeira vez na América Latina por pesquisadores do Centro de Terapia Celular (CTC) da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto – um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) apoiado pela FAPESP.

Conhecida como terapia de células CAR-T, a técnica foi usada para tratar um caso avançado de linfoma difuso de grandes células B – o tipo mais comum de linfoma não Hodgkin, doença que afeta as células do sistema linfático. O paciente, de 63 anos, já havia sido submetido sem sucesso a várias linhas diferentes de quimioterapia desde 2017.

“A expectativa de sobrevida desse paciente era menor que um ano. Para casos como esse, no Brasil, normalmente restam apenas os cuidados paliativos. Contudo, menos de um mês após a infusão das células CAR-T observamos melhora clínica evidente e até conseguimos eliminar os remédios para dor”, contou Renato Cunha, pesquisador associado ao CTC e coordenador do Serviço de Transplante de Medula Óssea e Terapia Celular do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP-USP).

A terapia de células CAR-T (acrônimo em inglês para receptor de antígeno quimérico) foi inicialmente desenvolvida nos Estados Unidos, onde é oferecida por dois laboratórios farmacêuticos a um custo de US$ 400 mil – sem considerar os gastos com internação. Já a metodologia desenvolvida no CTC tem custo aproximado de R$ 150 mil, que pode se tornar ainda mais baixo se o tratamento passar a ser oferecido em larga escala.

“Trata-se de uma tecnologia muito recente e de uma conquista que coloca o Brasil em igualdade com países desenvolvidos. É um trabalho de grande importância social e econômica para o país”, afirmou Dimas Tadeu Covas, coordenador do CTC e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Células-Tronco e Terapia Celular, apoiado pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O primeiro paciente foi atendido pela equipe do CTC e do Hemocentro do HC-FMRP-USP na modalidade de tratamento compassivo, que permite o uso de terapias ainda não aprovadas no país em casos graves sem outra opção disponível. O grupo pretende agora iniciar um protocolo de pesquisa com um número maior de voluntários. “Já temos outros dois pacientes com linfomas de alto grau em vias de receber a infusão de células reprogramadas”, contou Cunha.






Como funciona

A partir de amostras de sangue dos pacientes a serem tratados, os pesquisadores isolam um tipo de leucócito conhecido como linfócito T, um dos principais responsáveis pela defesa do organismo graças à sua capacidade de reconhecer antígenos existentes na superfície celular de patógenos ou de tumores e desencadear a produção de anticorpos.

Com auxílio de um vetor viral (um vírus cujo material genético é alterado em laboratório), um novo gene é introduzido no núcleo do linfócito T, que então passa a expressar em sua superfície um receptor (uma proteína) capaz de reconhecer o antígeno específico do tumor a ser combatido.

“Ele é chamado de receptor quimérico porque é misto. Parte de um receptor que já existe no linfócito é conectada a um receptor novo, que é parte de um anticorpo capaz de reconhecer o antígeno CD19 [antiCD-19]. Com essa modificação, os linfócitos T são redirecionados para reconhecer e atacar as células tumorais”, explicou Cunha.

Os leucócitos reprogramados são “expandidos” em laboratório (colocados em meio de cultura para que se proliferem) e depois infundidos no paciente. Antes do tratamento, uma leve quimioterapia é administrada para preparar o organismo.

“Cerca de 24 horas após a infusão das células CAR-T tem início uma reação inflamatória, sinal de que os linfócitos modificados estão se reproduzindo e induzindo a liberação de substâncias pró-inflamatórias para eliminar o tumor. Além de febre, pode haver queda acentuada da pressão arterial [choque inflamatório] e necessidade de internação em Unidade de Terapia Intensiva [UTI]. O médico deve ter experiência com a técnica e monitorar o paciente continuamente”, disse.

O aposentado submetido ao protocolo no HC da FMRP-USP no dia 9 de setembro já superou a fase crítica do tratamento, conseguiu se livrar da morfina – antes usada em dose máxima – e não apresenta mais linfonodos aumentados no pescoço.

“Além desses sinais clínicos de melhora, conseguimos detectar as células CAR-T em seu sangue e essa é a maior prova de que a metodologia funcionou”, disse Cunha.

De acordo com o pesquisador, somente após três meses será possível avaliar com mais clareza se a resposta à terapia foi total ou parcial – algo que depende do perfil biológico do tumor. Os linfócitos reprogramados podem permanecer no organismo pelo resto da vida, mas também podem desaparecer após alguns anos. 



Versão brasileira

O projeto que possibilitou a produção das células CAR-T teve início há cerca de quatro anos, quando foi renovado o apoio da FAPESP ao CTC. Nesse período, foram conduzidos estudos fundamentais sobre as construções virais mais usadas para a modificação gênica, bem como estabelecidos modelos animais para os estudos pré-clínicos. Cerca de 20 pesquisadores, incluindo médicos e biólogos celulares e moleculares, além de engenheiros especializados em cultivo celular em larga escala, participam do projeto.

Mais recentemente, Cunha se incorporou ao time com a experiência clínica e laboratorial adquirida durante estágio realizado no National Cancer Institute, centro ligado aos National Institutes of Health (NIH) dos Estados Unidos e pioneiro na técnica. Em dezembro de 2018, o pesquisador recebeu da Associação Americana de Hematologia (ASH, na sigla em inglês) o ASH Research Award e uma bolsa de US$ 150 mil para contribuir com o desenvolvimento da técnica na FMRP-USP. O projeto, no seu conjunto, teve apoio financeiro, além da FAPESP e do CNPq, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e do Ministério da Saúde.

“A metodologia que desenvolvemos é específica para o tratamento de linfoma, mas a mesma lógica pode ser usada para qualquer tipo de câncer. Estamos trabalhando em protocolos para o tratamento de leucemia mieloide aguda e para mieloma múltiplo. Também estamos acertando uma parceria com uma universidade japonesa com foco em tumores sólidos, como o de pâncreas”, contou Rodrigo Calado, professor da FMRP-USP e membro do CTC.

O objetivo do grupo, segundo Calado, é desenvolver tratamentos de custo acessível a países de renda média e baixa e possíveis de serem incluídos no rol de procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS).

“O custo da terapia de células CAR-T é muito próximo do valor que o SUS repassa para um transplante de medula óssea – hoje em torno de R$ 110 mil. Então o tratamento pode ser considerado acessível”, disse Calado.

Covas lembrou que o CTC tem tradição em terapias pioneiras, entre elas a aplicação de células mesenquimais para tratamento de diabetes e o transplante de medula óssea em portadores de anemia falciforme.

“Só conseguimos desenvolver o protocolo CAR-T de modo relativamente rápido porque temos uma estrutura há muito tempo em construção. Esse investimento da FAPESP em ciência básica, em formação de pessoas e em infraestrutura de pesquisa agora se traduz em novos tratamentos mais eficazes contra o câncer”, disse o coordenador do CTC.

Fonte: Agência FAPESP

terça-feira, 20 de agosto de 2019

SOBREVIVÊNCIA COLORIDA

Enxergar cores como nós, humanos, é a exceção e não a regra entre os mamíferos. A maioria dos representantes desse grupo é daltônica: possui apenas dois tipos de células fotorreceptoras na retina e não enxerga todo o espectro de cores fundamentais (vermelho, verde e azul). A capacidade de distinguir variadas cores sem dúvida é valiosa no mundo das artes, mas pode ter sido também uma vantagem evolutiva fundamental dos primatas na fuga de predadores. É o que sugere um estudo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) apresentado ontem (28/08) na 29ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental, em Caxambu (MG).

Entre os nossos parentes mais próximos, os macacos, existe uma grande variedade de visão de cores. Os chamados primatas do Velho Mundo, distribuídos na Europa, na África e na Ásia, são todos tricromatas, ou seja, enxergam as cores fundamentais com um humano normal. Já os primatas do Novo Mundo, localizados nas Américas, apresentam tanto indivíduos daltônicos quanto tricromatas, mesmo dentro de uma mesma espécie.

Durante muito tempo, a hipótese mais aceita para explicar o surgimento da visão de mais cores entre os primatas pregava que esse traço teria sido selecionado ao longo do tempo como uma vantagem na busca por comida. Enxergar frutos coloridos sobre a vegetação verde seria proveitoso. Outra teoria aponta que a habilidade também seria útil na detecção de parceiros sexuais. Localizar de imediato o traseiro vermelho de uma fêmea de babuíno no cio, por exemplo, colocaria o primata macho na dianteira na disputa por uma parceira.

Esses cenários, no entanto, nunca foram demonstrados na natureza e não explicam totalmente a diferença de visão entre primatas do Novo e Velho Mundo. “Apesar de haver vários estudos mostrando que em cativeiro os tricromatas identificam mais facilmente alimentos coloridos escondidos, não existe evidência disso no campo”, aponta o biólogo Daniel Pessoa, líder da pesquisa da UFRN. “Já na escolha de parceiros, a cor não é o único fator e talvez não seja o mais importante. O brilho das genitálias, que também pode ser percebido por dicromatas, indica igualmente bem o período fértil da fêmea.”

Pessoa supõe que a percepção de mais de duas cores entre os primatas teria evoluído como forma de detecção de predadores. A capacidade de distinguir, por exemplo, entre o amarelado da pelagem de um tigre e o verde da mata seria o fator que explica a disseminação do tricromatismo entre os primatas do Velho Mundo – animais que, embora maiores que os do Novo Mundo, durante milênios conviveram com carnívoros de grande porte.
Gorila
Os primatas do Velho Mundo, como o gorila, enxergam múltiplas cores, assim como os humanos comuns. Apesar de seu tamanho avantajado, durante milênios eles conviveram com carnívoros de grande porte. (foto: Manuel del Roj Diaz/ Flickr – CC BY-NC-ND 2.0)

Já no Novo Mundo, a coexistência de primatas daltônicos e com tricromatismo seria mais interessante. Isso porque, enquanto alguns primatas daqui ganhariam ao ver mais cores e identificar predadores, outros se beneficiariam de uma visão menos colorida na busca por alimentos. “A maioria dessas espécies se alimenta de insetos e é mais fácil localizar insetos camuflados na vegetação quando não há a distração das cores”, explica o pesquisador.

Encontre o predador
Para testar essa hipótese, Pessoa e sua equipe usaram um modelo computacional capaz de prever a visão de cores de várias espécies de primatas com base nas células fotorreceptoras que eles possuem. Com as informações de qual cor cada animal enxerga, o grupo pôde comparar a visão de primatas daltônicos e de tricromatas e a capacidade de ambos de identificar predadores contra um fundo de vegetação verde.

Os pesquisadores mediram a coloração de 28 pontos do corpo de sete predadores – como a onça pintada, a sussuarana e o gato do mato – e também mais de 100 pontos de regiões de mata, incluindo tonalidades de folhas e troncos. A coloração foi medida tanto sob a visão tricromata quanto a daltônica.

Os modelos de visão obtidos para cada animal foram analisados com uma fórmula que calcula a diferença entre as cores em cada ponto por meio de um coeficiente. Se o resultado da conta for maior que um, significa que existe um forte contraste entre as cores, que pode ser percebido pelo animal. Se for menor que um, por outro lado, significa que o contraste entre as cores não é significativo o suficiente para que o animal faça distinção.

O resultado do teste foi bem claro: os tricromatas apresentaram coeficientes de até cinco pontos, enquanto os daltônicos obtiveram um ponto ou menos, indicando que os tricromatas têm maior capacidade de perceber o contraste entre as cores de predadores e da vegetação.

Os pesquisadores fizeram ainda uma experiência com humanos para testar essa hipótese. Eles apresentaram fotos de mata, algumas com predadores escondidos, para um grupo de 40 pessoas – metade com visão de cores normal e metade com daltonismo. Os voluntários tinham que encontrar o animal nas imagens. O teste revelou que os daltônicos demoraram até 5 segundos a mais para achar o predador do que as pessoas que enxergam todas as cores.

Predadores
Os pesquisadores pediram que pessoas com visão normal e com daltonismo localizassem animais carnívoros escondidos em fotos de vegetação e verificaram que os daltônicos eram até 5 segundos mais lentos. (fotos: Daniel Pessoa)

“Pode parecer uma diferença pequena, mas temos que levar em conta que se trata de um teste em que as pessoas já sabiam o que procuravam”, comenta Pessoa. “Além disso, ter 5 segundos de vantagem em uma situação real de fuga de uma onça na natureza pode determinar um final feliz para o animal predado.”

Entre humanos
Na nossa espécie, o daltonismo é relativamente comum. Estima-se que esteja presente em cerca de 8% dos homens caucasianos. Os cientistas ainda não sabem explicar os mecanismos evolutivos por trás disso, mas existem algumas hipóteses.

Pessoa supõe que, do mesmo modo que foi vantajoso para os primatas enxergar mais cores para fugir de predadores, teria sido também para os humanos – o que explica a prevalência desse tipo de visão hoje. Porém, com o advento das sociedades primitivas e a vida em vilas, esse traço teria deixado de ter tanta importância. “A vida em sociedades organizadas diminuiu a pressão de predação e o daltonismo voltou a flutuar livremente e, por isso, uma taxa atual tão alta”, diz o pesquisador, que integra o grupo que não diferencia vermelho e verde.

Outro fator que poderia explicar a presença de daltonismo seria o desenvolvimento da pecuária. A visão colorida plena ajudaria na caça, mas, com a criação de animais, a necessidade de localizar presas rapidamente se perdeu.

Outros pesquisadores, porém, veem falhas na tentativa de explicar a evolução da visão de cores com base apenas na predação. O bioantropólogo Maurício Talebi, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus de Diadema, é um deles. Talebi, que estuda a visão do macaco muriqui, acredita que a escolha de alimentos é um processo complexo que deve ser considerado.

“Na natureza, a busca por comida é muito mais do que a mera identificação de cor em uma foto”, diz. “O comportamento animal em liberdade e as variáveis ecológicas também influenciam. Nesse tipo de estudo, temos que levar em conta o fator comportamental dos animais, além de outras modalidades sensoriais, como a audição e o olfato, para entender como cada uma contribuiu na evolução da visão de cores.”

Enquanto ainda há mais perguntas que respostas, Pessoa e equipe continuam as pesquisas e avisam que já está em andamento outro estudo que vai analisar a influência das cores na seleção de parceiros sexuais entre primatas.

Sofia Moutinho (*)
Ciência Hoje On-line - 2014


segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Partícula feita de amido de milho e óleo de tomilho combate larvas de Aedes aegypti

Karina Toledo  |  Agência FAPESP – O amido de milho, uma matéria-prima abundante, barata e biodegradável, foi a base usada por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para o desenvolvimento de partículas capazes de armazenar e liberar controladamente compostos ativos letais para as larvas do mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças como dengue, zika, febre amarela e chikungunya.

A metodologia teve a patente requerida por meio da Agência de Inovação da Unicamp (Inova) e foi descrita em artigo na revista Industrial Crops and Products.

No trabalho, apoiado pela FAPESP e coordenado por Ana Silvia Prata, professora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA-Unicamp), foi testado o óleo essencial de tomilho como agente larvicida. Esse óleo também é biodegradável e, na concentração usada na pesquisa, não oferece riscos à saúde humana.

“Conseguimos obter uma partícula que se comporta exatamente como os ovos do Aedes. Enquanto o ambiente está seco, ela se mantém inerte e conserva o agente ativo protegido. A partir do momento em que entra em contato com a água, começa a inchar para permitir a liberação do larvicida. Após três dias, período em que os ovos eclodem e tem início a fase larval, a partícula passa a liberar quantidades letais do princípio ativo na água”, disse Prata.

A ideia do projeto foi desenvolver um sistema de liberação controlada de larvicida para pequenos volumes hídricos, como vasos de planta, pneus, garrafas e entulhos diversos que podem virar criadouro do mosquito no ambiente urbano.

Segundo Prata, as autoridades sanitárias têm se preocupado em tratar com larvicidas caixas d’água e outros grandes reservatórios, mas estudos epidemiológicos indicam que 50% dos focos do Aedes estão em pequenas poças.

“Como o custo é baixo, o governo poderia produzir essas partículas e distribuí-las para a população, para que fossem espalhadas em locais da residência com potencial para acumular água da chuva, como medida complementar à conscientização da população e da luta contra a dengue”, disse.

Resultados dos testes feitos na Unicamp indicam que as partículas poderiam se manter funcionais durante aproximadamente cinco ciclos de chuvas. Após o primeiro contato com a água elas liberam apenas 20% do óleo de tomilho. “Fizemos o teste de deixar o material secar para depois reidratá-lo e observamos que as partículas voltam a liberar o agente larvicida normalmente”, contou Prata.

Ainda segundo a pesquisadora, o principal composto ativo encontrado no óleo de tomilho – o timol – impediu a proliferação de microrganismos no recipiente contendo a água, evitando que as partículas estragassem rapidamente depois de molhadas.



Método de produção

O ciclo de vida do Aedes aegypti é formado por quatro etapas: ovo, larva, pupa e mosquito adulto. O período total de desenvolvimento pode variar de cinco a 10 dias, tornando-se mais curto à medida que a temperatura aumenta. A fase larval, na qual o inseto está confinado no ambiente aquático, é considerada a mais estratégica para as ações de combate.

“Com base nessas informações, começamos a pensar em como deveria ser a partícula. Um de nossos colaboradores – Johan Ubbink [California Polytechnic State University, Estados Unidos] – sugeriu produzi-la por uma técnica conhecida como extrusão, a mesma usada na fabricação de salgadinhos de milho”, disse Prata.

O método consiste em forçar a passagem da massa de amido úmida e aquecida por um pequeno buraco. Normalmente, a ação da temperatura e da pressão exercida por uma rosca faz com que o material se expanda após a passagem pelo orifício.

“Adaptamos o processo, adotando uma temperatura mais branda e uma rotação de rosca mais suave, para que não ocorresse a expansão do material. Caso contrário, a partícula amoleceria rapidamente ao entrar em contato com a água, liberando o princípio ativo todo de uma vez”, disse Prata.

Outro desafio do grupo foi encontrar a composição adequada da matéria-prima. Como explicou a pesquisadora, o amido – seja ele de trigo, milho ou qualquer outra fonte – é composto fundamentalmente por frações variáveis de amilose e amilopectina. A quantidade de cada um desses componentes determina características como viscosidade e estrutura (capacidade de não se desfazer em contato com a água).

“Testamos formulações que tinham de 1,8% até 76% de amilose. E avaliamos, em cada caso, qual era o comportamento de lixiviação [o quão rápido a partícula se desfaz] e de inchamento no meio aquático”, disse Prata.

Ao mesmo tempo em que avaliavam esses dois aspectos da partícula, dosando a quantidade de óleo de tomilho liberada em função do tempo de contato com a água, os pesquisadores também observavam a atividade larvicida do composto ativo. O teste consistiu em medir a concentração necessária para matar 99% das larvas – parâmetro conhecido com CL99.

“O CL99 do óleo de tomilho não encapsulado é de aproximadamente 70 microgramas por mililitro [µg/ml]. Quando colocamos esse composto dentro da partícula, o valor diminui para 31 µg/ml, ou seja, nosso sistema de liberação controlada aumentou a ação larvicida”, disse a pesquisadora.

Ainda assim, o CL99 do composto natural permaneceu bem mais baixo que o de agentes sintéticos, como o temefós. A vantagem, segundo Prata, é que por ter uma composição química complexa, com outras moléculas ativas além do timol, é mais difícil para o inseto desenvolver resistência.

O grupo também testou como larvicida o extrato de jambu. O resultado foi similar ao observado com o tomilho, porém, o custo foi cerca de 15 vezes maior.

“O óleo essencial de tomilho é um material altamente disponível, vendido comercialmente e representa apenas 5% da composição da partícula – os outros 95% são amido de milho, que é muito barato. Por isso consideramos a técnica facilmente escalonável”, disse a professora da FEA-Unicamp.

O grupo da FEA-Unicamp avalia, no momento, a possibilidade de usar as mesmas partículas para encapsular bactérias fixadoras de nitrogênio, que auxiliam no crescimento de plantas. O material poderia, em tese, reduzir a quantidade de fertilizantes usados na agricultura. “Essa é uma teoria que pretendemos testar em um futuro projeto”, disse Prata.

O artigo Improved activity of thyme essential oil (Thymus vulgaris) against Aedes aegypti larvae using a biodegradable controlled release system, de Juliana Dias Maia, Roseli La Corte, Julian Martinez, Johan Ubbink e Ana Silvia Prata, pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0926669019301967?via%3Dihub#!. 

Fonte: Agência FAPESP