11/08/2016
Pesquisa descarta possibilidade de passagem por Estreito de Bering. Na época, não havia plantas ou animais que permitiriam sobrevivência.
Mapa mostra a abertura das rotas de migração para a América do Norte, de acordo com o estudo (Foto: Mikkel Winther Pedersen/Divulgação)
As primeiras pessoas a chegar às Américas não poderiam ter passado pelo corredor de camada de gelo - onde hoje fica o Estreito de Bering - que se pensava que tinha sido o ponto de entrada de humanos para os continentes de acordo com um estudo publicado quarta-feira (10).
Mais provavelmente, os pioneiros humanos do Novo Mundo - provavelmente cerca de 15 mil anos atrás - avançaram ao longo de uma costa do Pacífico, suficientemente livre de gelo para suportar a flora e a fauna necessárias para sustentar a vida.
A rota e o período exatos desta migração inaugural permanecem sendo conjecturas, disseram os pesquisadores.
Mas o que é certo, de acordo com as descobertas relatadas na revista científica "Nature", é que a versão clássica sobre aquela passagem está errada.
Durante décadas, os cientistas trabalharam com a seguinte teoria.
Cerca de 14,5 mil anos atrás, um corredor norte-sul de 1.500 km se abriu entre a camada de gelo Cordilleran - que cobria aproximadamente o que é hoje a província canadense de Colúmbia Britânica - e a muito maior camada de gelo Laurentide, que ocupava o resto do Canadá.
Vista atual da região onde foi criado corredor livre de gelo mais de 13 mil anos atrás (Foto: Mikkel Winther Pedersen/Divulgação)
A era do gelo foi lentamente desaparecendo e dando lugar a uma ponte de terra entre a Eurásia e o Alasca.
Cerca de mil anos mais tarde, de acordo com esta teoria, os primeiros seres humanos da era do gelo se moveram através desta passagem interior para fundar novas culturas no sul.
Uma nova história
Entre eles estava o povo de Clóvis, que apareceu pela primeira vez nos registros arqueológicos mais de 13 mil anos atrás.
Este enredo pressupõe, naturalmente, que estes primeiros povos encontraram alimentos ao longo do caminho.
E é aí que a teoria cai por terra, de acordo com Mikkel Pedersen, pesquisador do Centro de GeoGenetics da Universidade de Copenhague e autor principal do estudo.
"O primeiro momento em que o corredor se abre para a migração humana é 12,6 mil anos atrás", disse à AFP.
Embora a passagem possa ter estado livre, "não havia absolutamente nada antes desta data no ambiente em volta - nem plantas, nem animais".
Nada, em outras palavras, que teria permitido aos seres humanos se alimentarem durante um longo e árduo caminho entre penhascos de gelo.
Outras pesquisas que mostraram que os seres humanos poderiam ter chegado às Américas pelo menos 14,5 mil anos atrás - e talvez alguns milhares de anos antes disso - já tinha começado a enfraquecer a hipótese do corredor de camada de gelo, forçando especialistas a olharem mais de perto a possibilidade de uma rota costeira.
Pedersen e colegas agora parecem ter fechado definitivamente a porta para a teoria da rota pelo interior.
Os métodos inovadores que eles utilizaram para reconstruir o ecossistema no final da idade do gelo foram cruciais para a descoberta.
Em vez de procurar vestígios de DNA de plantas ou animais específicos enterrados em sedimentos - a abordagem padrão - a equipe de Pedersen usou o que é chamado de método de "shotgun" (espingarda), catalogando todas as formas de vida em uma determinada amostra.
"Tradicionalmente, estivemos procurando genes específicos de uma ou de várias espécies", explicou.
"Mas a abordagem 'shotgun' realmente nos deu uma visão fantástica sobre todas as diferentes" cadeias alimentares. "Camadas, desde bactérias e fungos até plantas superiores e mamíferos".
Janela para mundos antigos
Os pesquisadores escolheram extrair núcleos de sedimentos do que teria sido uma passagem estreita no corredor interior, uma área parcialmente coberta hoje pelo Charlie Lake, na província canadense de British Columbia.
A equipe fez datação por radiocarbono e recolheu amostras enquanto estava na superfície do lago congelado no inverno.
Até 12,6 mil anos atrás, o ambiente era quase inteiramente desprovido de vida, descobriram os cientistas.
Mas o ecossistema evoluiu rapidamente, dando lugar dentro de algumas centenas de anos a uma paisagem de grama e sálvia, logo povoada por bisões, mamutes, coelhos e ratazanas.
Mil anos depois, o ecossistema teve uma nova transição, esta vez para um ambiente com árvores, alces e águias.
As descobertas abrem "uma janela para os mundos antigos" e são uma pedra angular em uma "grande reavaliação" de como os seres humanos chegaram à América, disse Suzanne McGowan, da Universidade de Nottingham, comentando o estudo na Nature.
Elas também tornaram a teoria da passagem costeira muito mais provável, acrescentou.
Outros estudiosos concordam.
"Se já houve um corredor livre de gelo durante o Último Máximo Glacial, não era nas regiões do interior do norte da América do Norte, mas ao longo da costa noroeste", escreveu James Dixon, da Universidade do Novo México, em um estudo recente.
Fonte: G1